Especialistas ouvidos pela reportagem criticaram a decisão do senador Omar Aziz (PSD-AM) de mandar prender o ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias em sessão da CPI da Covid nesta quarta-feira (7).
O auto de prisão assinado por Aziz lista contradições no depoimento de Dias, acusado pelo intermediário de vendas da empresa Davati Luiz Paulo Dominghetti de ter pedido propina de US$ 1 por dose de vacina na pasta.
A presidente do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Marina Coelho Araújo, afirma que Dias não poderia ser preso em razão de um princípio geral de direito penal de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio.
"Não há como um depoente ser preso em razão de questões em que está diretamente envolvido, e inclusive pode ser investigado", diz Marina.
De acordo com a criminalista, o crime de perjúrio (falso juramento) faz parte do arcabouço legal dos Estados Unidos, mas não está previsto no sistema legal brasileiro.
"Mesmo que ele tenha prestado compromisso, se lhe for perguntado sobre fatos em que ele estaria diretamente envolvido, ele deixa de ser testemunha imediatamente, pois testemunha deve ser imparcial, e passa a ser alguém com potencial de ser investigado. E aí, não há que se falar em crime de falso testemunho", afirma.
O procurador do Ministério Público do Paraná Rodrigo Chemim, que é professor de direito, diz que, de acordo com jurisprudência no país, o investigado pode ficar em silêncio ou mesmo mentir em depoimento.
Dias prestava depoimento na condição de testemunha, mas, para o procurador, já tinha condição de investigado por depoimento que o implicava em irregularidades na negociação de vacinas.
"No que diz respeito ao investigado, o Supremo tem posição firme de que tem direito ao silêncio e à mentira."
A exceção, afirma ele, são casos em que eventual mentira implique falsamente um crime a uma terceira pessoa.
A Constituição estabelece como direito do preso permanecer calado, e a jurisprudência consolidou o entendimento de que investigados podem mentir para não se incriminarem.
O procurador afirma que uma CPI é um tipo de investigação criminal, da mesma maneira que um inquérito policial, e que todos se encaixam "na mesma ideia e devem obedecer a mesma ideia".
Chemim também questiona declarações dadas ao longo da comissão no Congresso nas quais os senadores antecipam a responsabilidade de investigados ou suspeitos. Diz que, em tese, integrantes da comissão podem incorrer em artigo da Lei de Abuso de Autoridade que pune a "atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação".
A advogada criminalista Ana Carolina Moreira Santos, conselheira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, diz que, na prática, o "depoente [Dias] está numa condição de investigado, não está na condição de testemunha".
"Na posição de investigado, ele não presta compromisso de dizer a verdade, porque ele tem direito à não autoincriminação. A questão mais importante é essa do princípio da não autoincriminação, que é um princípio constitucional e base do Estado democrático de Direito".
O advogado e professor Thiago Bottino, da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Direito Rio, também considera a prisão indevida.
Ele afirma que não há como classificar as explicações como falso testemunho nesta fase da investigação, ainda em etapa de colheita de provas. Eventuais novos testemunhos, em tese, poderiam corroborar as versões dadas pelo ex-diretor.
"Ele [depoente] não cometeria falso testemunho para se proteger. Cometeria se a mentira estivesse protegendo, não ele, mas outra pessoa. A condição do crime para existir é que a mentira induzisse o juiz em erro. Coisa que, na CPI, neste momento, não existe. E é o tipo de crime que é retratável até a sentença."
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