O sepultador James Gomes da Silva, 35, perdeu colegas de trabalho e amigos nos últimos meses por causa da pandemia do novo coronavírus. Na família, o irmão foi contaminado. Seu temor é que outros familiares também sejam infectados, principalmente os mais velhos e aqueles com comorbidades.
Morador de Cidade Tiradentes, zona leste da capital, ele atua no cemitério Vila Formosa, o maior da América Latina. Antes de março do ano passado, fazia, em média, 35 enterros diários, mas com a pandemia, são ao menos de 60. É um sepultamento a cada 24 minutos.
Para ele, a vacina é uma esperança. Apesar disso, o profissional lamenta a ausência da categoria entre os grupos prioritários na fila da vacina.
"Como os profissionais de saúde, estamos na linha de frente e temos os riscos", diz. "Fechamos o ciclo da vida e acabamos esquecidos. Espero que olhem para a gente e para a importância do trabalho que a gente faz."
Carlos é nome fictício de um sepultador no cemitério São Luís, na zona sul, que não quis se identificar. Ele afirma que o preconceito das pessoas sempre foi percebido, mas aumentou na pandemia. "As pessoas nos tratam mal faz tempo, mas com esse vírus deu uma aumentada porque as pessoas achavam que a gente ia infectar [os demais]."
Para o servidor, estar entre as prioridades na vacinação seria um reconhecimento do trabalho executado por eles desde o início da pandemia. "A gente lida com corpos que até os familiares temem, pois ainda podem transmitir a Covid-19, né?"
Atualmente, a cidade de São Paulo tem cerca de 400 sepultadores, entre funcionários públicos e terceirizados. Nas periferias, onde a Covid-19 foi mais letal, o pedido para entrar no plano de vacinação oficial do Ministério da Saúde é ainda mais premente.
O Serviço Funerário do Município de São Paulo é responsável pela gestão e administração de 22 cemitérios municipais, um crematório, 12 agências de contratação de serviços funerários e 114 salas de velórios, distribuídos em todas as regiões da capital. Fiscaliza, ainda, 20 cemitérios particulares.
Há 10 anos, Cláudio de Oliveira dos Santos, 46, atua como motorista no Serviço Funerário do Município de São Paulo. Morador do Jaçanã, zona norte da capital, sua função é transportar pessoas mortas em hospitais, IMLs, casas de repouso ou casas. "Dos 22 cemitérios [municipais], mais o crematório quem transporta o corpo somos nós, do serviço funerário".
Para manejar os corpos é preciso usar Equipamento de Proteção Individual (EPI) como máscara e luvas. "Sempre tem um kit que o agente já sai com ele para realizar o translado". Nos casos de Covid-19, em que o corpo é entregue ao serviço funerário envolto em um saco preto impermeável, o servidor ainda recebe um manto branco para envolver o cadáver. Não há velório.
"Temos família. A gente entra em hospital, manuseia o corpo, é uma classe que carece sim de ser vista pelas autoridades públicas como uma classe de fato essencial", diz Cláudio, ao defender a priorização dos colegas de profissão.
"Embora no papel seja considerada como serviço essencial, as autoridades não enxergam desta forma."
Ao longo da pandemia, Cláudio perdeu colegas e viu outros se afastarem. Sua esposa também foi contaminada pelo vírus, mas teve um grau leve da doença e logo se recuperou. "Ela ficou um pouco sem paladar. De uma hora pra outra parou de sentir gosto das coisas. Fez o teste e deu positivo", conta.
Faz coro o secretário de comunicação do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) João Batista Gomes, 55.
"O efetivo do serviço funerário está sucateado, houve afastamentos do pessoal com mais de 60 anos e comorbidades -o que obrigou inclusive o serviço funerário a contratar trabalhadores terceirizados para dar conta do serviço", diz ele.
Segundo Gomes, houve pedido aos responsáveis pela saúde no estado e no município para exigir a imunização para quem trabalha nos cemitérios. Ele critica o que chama de falta de transparência da Prefeitura de São Paulo em relação aos dados da pandemia entre a categoria.
"Infelizmente, esses dados não são públicos. Sabemos que houve quatro mortes de trabalhadores por Covid, mas é difícil vincular com o trabalho. Isso sem contar os terceirizados, que hoje são a maioria", afirma.
Questionada, a Prefeitura de São Paulo não respondeu às perguntas da reportagem até sua publicação.
O enfermeiro infectologista Milton Monteiro Jr. afirma que o plano de vacinação do Ministério da Saúde, ao mencionar exposição constante ao vírus, preveria os sepultadores entre os públicos prioritários na vacinação.
Mas o infectologista Renato Grinbaum sublinha que a transmissão do vírus é principalmente respiratória, e as normas do Ministério da Saúde exigem o fechamento dos caixões durante o sepultamento ou a cremação.
"Isso diminui consideravelmente o risco para estes trabalhadores, como se observou na prática", avalia.
Para Grinbaum, é grande a importância dos funcionários do serviço funerário; há, porém, maior risco para quem atua nos hospitais com pacientes com Covid-19: "Eles [sepultadores] merecem atenção especial, mas os profissionais de saúde são aqueles que devem ser mais protegidos no primeiro momento".
Valdes Roberto Bollela, professor associado da Divisão de Moléstias Infecciosas e Tropicais da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), considera adequadas as prioridades iniciais dos planos de vacinação, que preconizam profissionais da saúde e pessoas idosas institucionalizadas.
"Entendo os profissionais dos serviços funerários, e que cemitérios têm exposição menor que a dos profissionais de saúde, mas maior que a da população em geral. Poderiam ser priorizados nas próximas fases da vacinação."
Para o professor, mais importante agora é garantir a disponibilidade de doses da vacina para toda a população brasileira.
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