Só o crime ganha com o desmatamento da Amazônia, diz a ex-ministra do Meio Ambiente (2010-2016) Izabella Teixeira, 58. O ganho econômico de desproteger a floresta é zero, diz ela: "Se é predominantemente ilegal, significa trabalho escravo, exclusão social, sonegação fiscal. O Estado perde dinheiro, empobrece o serviço público".
Além de não levar vantagem na arena econômica, assume o risco de prejuízos ao alimentar, por exemplo, a oposição de setores europeus ao acordo comercial com o Mercosul , e abre mão do espaço geopolítico que vinha conquistando.
"O Brasil era um país que entrava criando convergência; hoje entra feito porco-espinho. Quando a gente entra, todo mundo sai da sala", diz a ex-ministra, hoje consultora e co-presidente do International Resource Panel, ligado à ONU.
Segundo Izabella, no governo Bolsonaro o jogo ficou desequilibrado porque, entre outros fatores, os setores do agronegócio que entendem o valor de preservar o ambiente não têm a mesma expressão política dos ultraconservadores que apoiam o presidente.
O resultado é um país preso a "uma polarização em cima de problemas, não em cima de soluções", diz a ex-ministra, que defende um novo projeto para a Amazônia a partir de uma discussão transparente sobre custos e benefícios.
"Não dá para fazer omelete sem quebrar os ovos. O problema é que o Brasil não faz nenhum omelete e quebra todos os ovos. Fica sem a galinha, sem os ovos, todo mundo malnutrido."
Não vai mudar tudo do dia para a noite, mas já há de fato mudanças nas escolhas de consumo, nos estilos de vida e comportamento. Esse é um jogo que tem a ver com credibilidade e confiança, e o Brasil, que vinha praticando uma rota, agora está descendo a ladeira. Arrisca deslocar esse ponteiro para uma zona de sombra.
Tem gente que acha que o desmatamento não importa, porque continua havendo comércio. Nessa disputa entre Estados Unidos e China, o Brasil exportou mais commodities agrícolas, fez 60 acordos comerciais bilaterais, com países do Oriente Médio e da Ásia, onde a questão ambiental tem importância relativa perto de outras carências. Mas o mundo vai topar essa transição sempre? Fazer acordos bilaterais de comércio não dará ao Brasil poder de influenciar, participar, construir, porque isso tem a ver com confiança e credibilidade.
Só o crime. O Brasil desmata a Amazônia com uma opção econômica que é zero. Se é predominantemente ilegal, significa trabalho escravo, exclusão social, sonegação fiscal. O Estado perde dinheiro, empobrece o serviço público. A Amazônia precisa de um novo projeto, não de fronteira agrícola ou política, esses são das décadas de 1950 e 1970.
O Brasil é uma potência ambiental, energética e agrícola, e pode produzir muito mais, trabalhar segurança alimentar do mundo, atrair investimentos em infraestrutura, inovação tecnológica, telecomunicações, tudo sem danos. Uma estratégia ganha-ganha.
Mas agora estamos entre uma estratégia ganha-perde e uma perde-perde. Ou perde-perde-perde. O Brasil era um país que entrava criando convergência; hoje entra feito porco-espinho. Quando a gente entra, todo mundo sai da sala. Há um apequenamento da expressão política e geopolítica do país.
Em 2006 houve uma campanha internacional junto aos compradores internacionais da soja para monitorar sua origem. O Inpe, supervisionado pelas ONGs, mostrou que ela não vinha do desmatamento, e em 2010 houve a moratória da soja. Ali, uma parte da agricultura entendeu que havia um jogo internacional, uma pressão enorme de ONGs, jornalistas, formadores de opinião. E essa parte entendeu que tinha espaço no mercado internacional para crescer para valer.
Eles não têm expressão política hoje no Congresso na magnitude da que têm os que apoiam o governo. A grande maioria da bancada hoje é a turma ultraconservadora do ruralismo, que foi derrotada no Código Florestal. A ministra Tereza Cristina foi naquela época uma das vozes importantes na construção de consensos na ala conservadora do ruralismo, com argumentos orientados pelo bom-senso. É conservadora, mas conhece o agronegócio e agricultura brasileira e é uma mulher de diálogo e de respeitar acordos. Isso é importante.
Há três aspectos. O primeiro é a ação do governo federal de desarranjar o sistema estabelecido pela lei que disciplina o uso de agrotóxicos.
O segundo é uma postura de ressaltar que a agricultura não tem relação com o desmatamento na Amazônia, esquecendo do impacto da pecuária. Enquanto a agricultura não defender de fato a proteção da Amazônia, viveremos de guerra de narrativas, na qual até coisas positivas, como o capítulo sobre "green finance"na recente lei dos agrotóxicos, as portarias sobre bioinsumos e as diretrizes ambientais para a produção de alimentos, ficam em segundo plano.
Em terceiro lugar, há a impressão política de que o atual ministro do Meio Ambiente opera para facilitar a agricultura. Isso passa a imagem de que a desconstrução das políticas ambientais do atual governo segue orientações do presidente e tem na ministra uma das principais estimuladoras.
Ela deve implementar o novo Código Florestal, que foi pactuado em 2012, e terá que lidar com a esquizofrenia institucional criada pelo atual governo, que transferiu o CAR [Cadastro Ambiental Rural] e o Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, enquanto toda a implementação do código e o processo de regularização ambiental é de responsabilidade dos estados, onde ela não tem competência legal alguma.
A ministra está tentando se equilibrar na diversidade do agronegócio brasileiro, onde aqueles que veem a sustentabilidade como ativo não têm a mesma força política que os ultraconservadores. É preciso ir para fora e conversar, pactuar uma transição, até ter fôlego no Congresso.
Deixar claro o que a agricultura brasileira se compromete a entregar nos próximos 30 anos em proteção ambiental, enfrentamento às mudanças do clima e proteção da biodiversidade. Qual é sua ambição no contexto da segurança alimentar e nutricional.
Hoje há só uma polarização em cima de problemas, não de soluções. É preciso tirar o agro e a agenda ambiental dessa cultura política de ameaças e construir, mostrando o custo-benefício. Porque há custos nas escolhas. Vai desmobilizar área plantada para colocar floresta intocável? Ou não vai?
Não dá para fazer omelete sem quebrar os ovos. O problema é que o Brasil não faz nenhum omelete e quebra todos os ovos. Fica sem a galinha, sem os ovos, todo mundo malnutrido.
Não ter uma expressão política do agronegócio mais moderno tem uma consequência perversa. Os que têm expressão criam uma neblina, mas esprema e veja se eles fazem a diferença. É só um conjunto de bravatas, e não se faz política pública com bravatas.
O Brasil ainda permite que os "fake players" da política tenham visibilidade em torno de assuntos ou temas nacionais nos quais que eles não têm qualquer relevância.
Porque o mundo não tem os filtros para isso.
Mas existe um jogo visível e outro invisível. Há instituições questionando, mas a política nos bastidores tentando construir consensos ou reduzir tensões.
Ninguém vai desistir do Brasil. É um país extremamente importante, não só pelos recursos naturais. Somos um mercado de 220 milhões de consumidores, temos paz, capacidade criativa e inovação, ciência. O que gente precisa é que se alinhar com o que o mundo está trazendo de novo. Os temas ambientais são influenciadores nas várias camadas políticas, econômicas e geopolíticas, e o Brasil pode assumir essa liderança.
É uma pena, porque a gente pertencia ao século 21, e o Brasil está abrindo mão desse protagonismo. É preciso afirmar o que de fato somos capazes de fazer em desenvolvimento sustentável. Ou então desembarca do mundo, vai tocar a viola no século 16 e esperar o que vem decorrência disso.
O Brasil vai muito além de governos. A sociedade tem um amadurecimento político muito interessante, estamos vendo no enfrentamento não só da crise pandêmica mas da crise política. O mundo e a Europa precisam lidar melhor com a sociedade brasileira e com as suas instituições, não só com alguns agentes de governo. Isso também é um apequenamento do Brasil.
Izabella Teixeira, 57, é mestre em planejamento energético e doutora em planejamento ambiental pela Coppe/UFRJ. Servidora ambiental desde 1984, foi ministra do Meio Ambiente (2010-2016), período em que foi aprovado o novo Código Florestal e realizado o Acordo de Paris. É atualmente consultora e co-presidente do International Resource Panel, ligado à ONU.
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