Os recordes de mortes, a falta de leitos e a pressão de governadores geraram nesta semana novos desgastes para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Nos últimos dias, ele vem tentando se equilibrar entre discursos contra o isolamento social e, ao mesmo tempo, o aval para a compra de um novo lote de imunizantes contra a Covid-19.
Ao mesmo tempo que liberou a sinalização do Ministério de que vai fechar contrato com as farmacêuticas Pfizer e Janssen, o chefe do Executivo potencializou sua retórica radical como aceno à base ideológica, o eleitorado mais fiel e do qual não pode prescindir na eleição de 2022.
A Pfizer tentava vender vacinas à União havia sete meses, mas a manifestação favorável só aconteceu na quarta-feira (3), depois que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), demonstrou interesse em adquiri-las.
Reação semelhante aconteceu em dezembro, quando o governo indicou que poderia fechar com a Pfizer para não ver Doria sair na frente na campanha de imunização.
O presidente alegou que as tratativas com a Pfizer avançaram agora por causa da aprovação, no Congresso, de projeto de lei que permite que União, estados e municípios sejam autorizados a "constituir garantias" e contratar seguros para eventuais riscos. Isso destrava a compra de imunizantes das duas farmacêuticas, cujos contratos têm cláusulas semelhantes.
Em dezembro, ao criticar a Pfizer, Bolsonaro sugeriu que a vacina poderia provocar efeitos colaterais, como fazer alguém "virar jacaré".
Ainda do lado mais contido de sua atuação nesta semana, Bolsonaro abriu mão de fazer um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV. Segundo auxiliares, entre outros pontos, ele criticaria as medidas de restrição adotadas por governadores para conter a disseminação mais rápida do coronavírus.
Pesou para o cancelamento a certeza de que Bolsonaro seria alvo de panelaços em razão dos novos recordes de mortos. Mas isso TV não o impediu de atacar governadores, imprensa e partidos adversários ao longo da semana.
Nesta quinta-feira (4), os acenos à base ideológica começaram quando ele pousou em Uberlândia (MG).
"Tem idiota que a gente vê nas redes sociais, na imprensa, [que diz] 'vai comprar vacina'. Só se for na casa da tua mãe. Não tem para vender no mundo", disse Bolsonaro, que desde o início do ano tenta se descolar do personagem antivacina que incorporou antes.
Ao falar com apoiadores sobre a decisão de comprar vacinas da Pfizer, mencionou o "efeito jacaré" para atacar a imprensa. "Então, o pessoal fala que eu falei que vai virar jacaré. Não tem mais figura de linguagem no Brasil para estes idiotas da imprensa".
Depois, em São Simão (GO), em evento com pessoas sem máscara e aglomeradas, voltou ao discurso radical. "Vocês não ficaram em casa, não se acovardaram. Nós temos que enfrentar os nossos problemas", disse. "Chega de frescura e de mimimi, vão ficar chorando até quando?".
O presidente também aproveitou para fazer coro com os comerciantes que têm feito protestos pelo país contra as medidas de restrição.
"Atividade essencial é toda aquela necessária para o chefe de família levar o pão para dentro de casa, porra", afirmou. "Por que essa frescura de fechar o comércio?"
A estratégia de recorrer ao repertório ideológico não é nova: já se tornou previsível toda vez que o presidente se sente acuado.
Segundo interlocutores, Bolsonaro não colocará empecilhos para a compra de mais imunizantes, pois é única forma de o país retomar algum grau de normalidade.
Mas pessoas próximas destacam que ele não pode abrir mão da retórica mais radical, já que ela serve para mobilizar sua base fiel, sempre de olho no pleito do ano que vem.
Em sua live semanal, nesta quinta, Bolsonaro refutou o papel de negacionista, embora tenha se oposto sistematicamente a medidas defendidas por especialistas, como o isolamento e o uso de máscaras. "Agora, vêm essas narrativas que somos negacionistas, não acreditamos em vacinas, aquela história toda para boi dormir, como fizeram na minha campanha em 2018, dizendo que eu era racista, misógino --misógino não gosta de mulher... Éramos um montão de coisas, e nada daquilo o povo acreditou que era verdade, que não podiam acreditar, e nós vencemos as eleições", declarou o presidente.
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