O número total de mortes ligadas ao caso de intoxicação por dietilenoglicol em cervejas da marca Backer subiu para dez esta semana, com as mortes de dois pacientes que estavam internados em Belo Horizonte.
José Osvaldo de Faria, 66, morreu na madrugada de quarta-feira (15), depois de quase um ano e meio no hospital. Marco Aurélio Cotta, 65, morreu neste sábado (18), e estava no hospital desde 30 de dezembro de 2019.
Os dois estão entre 29 vítimas listadas no inquérito da Polícia Civil de Minas Gerais, que indiciou 11 pessoas pelo caso no início de junho - sete delas por homicídio culposo. Agora, dezenove vítimas estão entre os sobreviventes. O número total pode mudar, com o seguimento das investigações.
A investigação começou em janeiro deste ano, depois que várias pessoas apareceram com sintomas semelhantes, em uma mesma região de Belo Horizonte, no que foi chamado inicialmente de "doença misteriosa". Duas famílias levantaram a possibilidade de que a origem dos sintomas estivesse no consumo da cerveja Belorizontina, da marca Backer.
Segundo o inquérito, um problema na solda de um tanque, instalado no final de 2019, teria causado o vazamento do dietilenoglicol, usado como anticongelante para evitar que os produtos evaporem e para resfriar, diretamente na bebida.
Um lote de cervejas analisado pelo Ministério da Agricultura indicou ainda que já havia alto índice de contaminação por dietilenoglicol e monoetileno nas cervejas da marca mineira no início de 2019.
José Osvaldo é uma das vítimas mais antigas listadas pela polícia. Ele bebeu a cerveja no início de 2019 e foi internado em 20 de fevereiro do mesmo ano, depois de passar mal por três dias.
No tempo internado, ele perdeu a visão, os movimentos das pernas e da face, não conseguia mais falar, tinha escaras no corpo pelo tempo na cama e dependia de hemodiálise devido à falha dos rins. Às vezes, ele apertava as mãos da mulher e da filha para se comunicar.
Em mais de 500 dias internado, ele enfrentou mais de 20 infecções, nove pneumonias, uma delas bilateral, seis paradas cardiorrespiratórias -- a última foi a causa da morte, segundo a mulher dele, Eliana Reis Faria, 56. Ele foi transferido para um quarto, pela primeira vez, no mês passado.
Internado na véspera do aniversário da única filha, Letícia Reis Faria, 29, a última coisa que ele escreveu foi um bilhete, dizendo: "Parabéns, Letícia".
"A gente não estava acreditando, a gente achou que ele ia sair dali. Eu lembro dele apertando meu dedo e chorando e eu nunca vi meu pai chorando. Em uma semana, ele já estava em coma", lembra ela.
Por quase um ano, a família não entendia o que tinha levado o empresário, um homem forte, que carregava os colchões da própria loja e gostava de fazer brincadeiras, à internação em estado grave em poucos dias. A mulher chegou a entrar em contato com pessoas no Japão em busca de tratamento.
Casada com ele há 33 anos, Eliana registrava em fotos e em uma agenda tudo o que acontecia com o marido no hospital, como as convulsões que ele teve por três dias ou sangue saindo dos olhos, para pesquisar sobre o que ele tinha. A suspeita inicial era de síndrome de Guillain-Barré.
Quando as notícias das vítimas no caso de intoxicação pela cerveja começaram a circular no início deste ano, os médicos chamaram a atenção da família para as semelhanças dos quadros. Os sintomas iniciais narrados por outras vítimas eram idênticos aos que Eliana havia anotado sobre o marido.
Pela primeira vez desde que Osvaldo foi internado, Eliana ligou o celular do marido para entender o que ele havia feito nos últimos dias, antes de ir ao hospital. Ela encontrou então fotos dele, com cervejas da Backer, no sítio.
Desde fevereiro do ano passado, a rotina dela foi dividida entre as duas lojas de colchão do marido e o hospital. Mesmo com a pandemia do novo coronavírus, ela não deixou de visitá-lo todos os dias, para ajudar a movimentá-lo na cama.
"Agora acabou. Pelo menos à noite sei que ele não vai mais estar sentindo dor. Eu não conseguia dormir pensando onde estava doendo. Porque eu sabia quando ele estava sentindo dor e à noite eu não estava lá [com ele]", diz ela, emocionada.
A décima morte registrada no caso é a de Marco Aurélio Cotta, 65, que morreu na madrugada deste sábado. Ele chegou a ser levado para o quarto por um mês, mas voltou ao coma há cerca de 40 dias. No dia 1º de julho, os médicos comunicaram a família que o estado era irreversível.
Marco Aurélio consumiu a cerveja Belorizontina nas festas de fim de ano, em dezembro, e começou a sentir os primeiros sintomas em seguida, sendo internado em 30 de dezembro. Ele teve oito paradas cardiorrespiratórias nestes quase sete meses.
"Estamos orando e confiantes que ele encontrou a paz ao lado do Senhor", disse a filha Ângela Minghini Cotta, em mensagem enviada à Folha neste sábado.
"Ele teve uma vida maravilhosa e nunca mediu esforços para proporcionar o melhor a sua família".
Procurada pela reportagem, a Backer disse que não vai se manifestar por enquanto.
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