Tido como um dos políticos mais poderosos do País, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), enfrenta uma série de obstáculos no campo jurídico nesta semana.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar um recurso que pode torná-lo réu em um processo por corrupção passiva. Além disso, a Polícia Federal avança em uma investigação, também sobre corrupção, que atinge assessores e pessoas próximas a ele.
Isso acontece ao mesmo tempo em que as relações entre Lira e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão estremecidas — o que levou inclusive aliados de Lira a acusarem de forma velada o governo de usar a PF para atingir o presidente da Câmara. Lira tem sido visto como um dos principais obstáculos do presidente na aprovação de medidas do seu interesse.
Uma operação da PF envolvendo pessoas próximas ao deputado foi deflagrada um dia após a votação da medida provisória que estabeleceu a estrutura do governo e após críticas abertas de Lira à articulação política de Lula.
Esse cenário levou o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, a descartar, na sexta-feira (2/6), qualquer hipótese de envolvimento do governo na operação da Polícia Federal. Na ocasião, em entrevista à GloboNews, Pimenta disse que a PF cumpre determinações do Poder Judiciário e que o Executivo não possui influência.
Sobre a ação da PF, Lira disse não se sentir atingido: "Ninguém gosta de receber notícias como a gente recebeu, mas não posso comentar uma operação policial sem ter acesso ao que nela tem [...] Não me sinto atingido e nem acho que isso seja provocativo", disse, em entrevista à GloboNews.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam quais as possíveis reações do presidente da Câmara diante de uma eventual pressão sobre ele. As reações podem variar, segundo eles, de uma postura mais cooperativa em relação ao governo até a uma posição mais rígida em torno das pautas defendidas pelo presidente Lula.
Confira quais as suspeitas que rondam o presidente da Câmara:
A primeira turma do STF marcou para esta terça-feira (6/6) o julgamento de um recurso que pode tornar Lira réu em um processo por corrupção passiva. Esta etapa é para determinar se o presidente da Câmara responderá a uma ação penal sobre o caso. O crime de corrupção passiva tem penas que variam de dois a doze anos de prisão.
Em outubro de 2019, a primeira turma do STF aceitou parcialmente uma denúncia feita pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra Arthur Lira, então líder do PP na Câmara dos Deputados.
Lira foi denunciado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter supostamente aceitado, em 2012, dinheiro de propina paga por um dirigente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU). Segundo a acusação, Lira teria aceitado propina de R$ 106 mil para dar apoio político para que o dirigente se mantivesse no cargo.
A denúncia usou informações da colaboração premiada do doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da Operação Lava Jato. O caso supostamente envolvendo Lira se encaixava no perfil da maioria dos que chegaram à Justiça.
Segundo Youssef, o dinheiro teria sido apreendido pela Polícia Federal em 2012, no momento em que um assessor de Lira foi detido no Aeroporto de Congonhas tentando embarcar com o dinheiro escondido em suas roupas, inclusive meias.
A maior parte das acusações eram de que parlamentares recebiam vantagens indevidas de empreiteiras, empresários e de agentes públicos em troca de apoio para se manterem em suas posições ou conseguirem mais contratos com estatais.
Apesar de a denúncia ter sido aceita em 2019, sua defesa ingressou com um recurso contestando a decisão. É justamente este recurso que será julgado agora, quase quatro anos depois.
Procurado, o advogado de defesa de Lira neste processo, Pierpaollo Bottini, disse à BBC News Brasil que Lira não tem envolvimento com o caso.
"As acusações são falsas, derivadas da delação de um doleiro cuja inimizade com o deputado foi reconhecida judicialmente", disse Bottini.
Sobre o fato de um ex-assessor de Lira ter sido encontrado com R$ 106 mil, o advogado disse que Lira não poderia responder pelo crime "uma vez que não se trata de conduta do deputado, mas de terceiro".
O advogado também rejeitou haver algum tipo de influência do Executivo no fato de o STF ter colocado o caso na pauta de julgamentos.
Outro caso envolvendo suspeitas de corrupção e pessoas próximas a Lira teria acontecido em Alagoas, seu reduto político. O caso teria a ver com a compra supostamente superfaturada de kits de robótica para escolas do interior de Alagoas.
As compras foram financiadas com recursos de emendas parlamentares.
Uma investigação da Polícia Federal apura possíveis fraudes em licitações que teriam resultado em um prejuízo estimado em R$ 8,1 milhões aos cofres públicos.
Na semana passada, a PF deflagrou uma operação que mirou um casal de assessores parlamentares próximo a Lira: Luciano Cavalcante, que atuava na liderança do PP na Câmara dos Deputados, e sua esposa, cujo nome completo não foi revelado.
Segundo as investigações, ela também teria atuado como assessora de Lira. Apesar disso, o presidente da Câmara não teria sido mencionado diretamente pelas investigações até o momento.
Nesta segunda-feira, Luciano Cavalcante foi exonerado do cargo. Na nota oficial divulgada pela Polícia Federal sobre a operação, não há nenhuma menção a Arthur Lira.
De acordo com informações divulgadas pelo jornal Folha de S. Paulo, a PF teria detectado transações financeiras suspeitas entre a Megalic e o casal de assessores de Lira.
As suspeitas são de que eles teriam sido beneficiados com recursos dos contratos supostamente superfaturados.
A BBC News Brasil não conseguiu identificar a defesa de Luciano e Glaucia e também não conseguiu localizar o casal para que eles se manifestassem sobre o caso. A assessoria de imprensa de Lira também não respondeu aos contatos feitos pela reportagem.
Em entrevista à GloboNews na semana passada, Lira disse não ter relação com o caso.
"O que eu posso dizer é que eu, tendo a postura que tenho, em defesa das emendas parlamentares que levam benefícios para todo o Brasil, para toda a população, eu não tenho absolutamente nada a ver com o que está acontecendo", disse o deputado.
A empresa responsável pelo fornecimento dos kits supostamente superfaturados era a Megalic, localizada em Maceió.
A Megalic está em nome de Roberta Lins Costa Melo e Edmundo Catunda. Edmundo e Lira são aliados políticos em Alagoas.
A BBC News Brasil tentou contato com a defesa de Roberta e Edmundo, mas os advogados apontados como responsáveis por atuar no caso não atenderam às ligações feitas pela reportagem.
Em nota, o escritório que defende a empresa em um processo no Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou que as vendas feitas por ela teriam ocorrido dentro dos trâmites legais.
"Em primeiro lugar, que todas as aquisições se deram a partir de parâmetros técnicos delineados pelos órgãos licitantes, sem nenhuma interferência da empresa. Essas aquisições, frise-se, foram precedidas de processo licitatório legal e com ampla competitividade", disse a nota.
A investigação da Polícia Federal sobre o caso começou no ano passado, após a publicação de uma série de reportagens do jornal Folha de S.Paulo.
O professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira afasta a possibilidade de que Lira possa retaliar o governo por conta do aparente "cerco" sobre ele.
"Primeiro porque não parece haver, neste momento, um aparelhamento da PF que pudesse permitir essa conclusão de que a operação da semana passada tenha tido a influência do governo. E, segundo, porque o caso do Supremo não tem ligação alguma com o governo", disse.
A professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Luciana Santana, por outro lado, acredita que Lira pode, sim, interpretar os movimentos no STF e na PF como uma espécie de "cerco" se fechando contra ele. Ela aponta duas possíveis reações para Lira.
"Ele pode se sentir encurralado. A tendência natural é que ele tente amenizar o seu tom frente ao Executivo e consiga manter uma relação harmônica", afirmou.
Santana, porém, vislumbra outro tipo de reação possível. "Se ele for para uma linha mais radical, pode tentar barrar a agenda do Executivo ou pressionar para que mais emendas parlamentares e cargos sejam liberados", afirmou a professora.
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