BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta quinta-feira (4) para derrubar a graça concedida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira, condenado a 8 anos e 9 meses de prisão por ataques à Corte máxima. O placar está em 6 a 2 para declarar inconstitucional o 'perdão' de Bolsonaro a seu aliado, nos termos do voto da relatora, ministra Rosa Weber.
Acompanharam Rosa os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Eles apresentaram votos marcados por recados não só a Silveira, mas à base aliada do ex-presidente, em especial os investigados pelos atos golpistas do dia 8 de janeiro.
Os votos divergentes foram dados pelos ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro ao STF. Eles defenderam a validade do decreto do ex-presidente, destacando a discricionariedade do então chefe do Executivo para editá-lo e ressaltando que trata-se de um instituto político.
"Entendo, até pelo contexto, que a concessão da graça teve um efeito de pacificação, ainda que circunstancial e momentâneo. Não excluo eventuais finalidades que nós possamos questionar, mas também não posso excluir razões políticas que em tese justificariam a concessão do instituto", indicou Mendonça.
Ele e Kássio estão isolados, por enquanto. O julgamento ainda será retomado para os votos de Luiz Fux e Gilmar Mendes.
O primeiro ministro a acompanhar a ministra Rosa Weber na sessão desta quinta-feira (4) foi Alexandre de Moraes, que ponderou que o decreto de Bolsonaro atenta contra cláusulas da Constituição, em especial quanto à separação de Poderes, além de conter 'desvio de finalidade claro'.
Segundo Alexandre, relator da ação na qual Silveira foi condenado, a graça do ex-presidente é um 'ataque direto e frontal' ao Poder Judiciário.
"São coisas diversas, um indulto coletivo, de política criminal, e um indulto individual, como o concedido por Getúlio Vargas a desertor do Exército, com um simples 'concedo indulto' e acabou. Podemos concordar ou não. Agora, o indulto que pretende atentar, insuflar e incentivar a desobediência às decisões do Judiciário é um indulto atentatório à cláusula pétrea", advertiu Alexandre.
Segundo ele, há uma 'limitação constitucional implícita' para a edição do decreto de Bolsonaro, a mesma que existe para um eventual indulto a crimes atentatórios ao estado democrático. "Seria possível o Supremo aceitar um indulto a todos os eventualmente condenados pelos atos de 8 de janeiro, atentados contra a democracia?", questionou.
Já o desvio de finalidade do decreto, segundo Alexandre, está disposto no próprio texto, em 'justificativa que não corresponde à realidade'.
"Veja os últimos considerandos (do decreto). 'Considerando que a sociedade se encontra em comoção'. Talvez uma outra sociedade, paralela, nas redes sociais", assinalou o ministro, com um tom de ironia.
Em voto breve, Fachin destacou que o indulto tem que 'ter um corpo interno de coerência'. "Desbordando disso, há uma desobediência constitucional. Trata-se de um ato írrito e inconstitucional, portanto nulo", ressaltou.
Barroso também seguiu Rosa: "De forma inusitada, o presidente concedeu a graça no dia seguinte ao julgamento no Supremo, deixando clara, inclusive em reunião, a afronta que pretendeu fazer ao Judiciário. Um desrespeito, um descrédito que se pretende trazer às instituições como um projeto."
O ministro considerou que o decreto violou a separação dos Poderes, considerando seu 'açodamento' e suas justificativas. Segundo Barroso, o então presidente Bolsonaro 'julgou o mérito da decisão do Supremo, se arvorou na condição de 'juiz dos juizes' para dizer 'os juízes estão errados, eu que estou certo e portanto vou dar indulto'.
Barroso ainda rechaçou alegações de que o Supremo teria ferido a liberdade de expressão ao condenar Silveira. O ministro qualificou as declarações do ex-deputado como 'prenúncio do golpe'. Segundo ele, 'ali estava a incitação do 8 de janeiro, o embrião do que estava para vir'.
O magistrado destacou que é preciso deixar claro, 'para as pessoas de boa fé', que 'não há vestígio de liberdade' nas falas de Silveira, mas sim 'agressão, ofensa, incitação à violação das instituições e preparação de um golpe de estado'.
"As pessoas que falam em 'Deus, Pátria e Família' não podem pactuar com isso. Deviam, se tiverem dúvida, reunir a família na sala, invocar a proteção de Deus e exibir o vídeo que motivou a condenação. Ai, se acharem que está bem, após ver o video, dizer: 'esse é o País que nós temos, antidemocrático, com animosidade entre civis e militares e linguagem chula e grosseira que mais parecia um esgoto a céu aberto"', afirmou, em duro recado.
Toffoli também acompanhou a relatora, destacando que crimes atentatórios aos Estado de Direito, implicitamente, não podem ser objeto de graça e indulto. Assim como Alexandre de Moraes, o magistrado destacou que os atos golpistas do dia 8 de janeiro, por exemplo, são insuscetíveis de perdão.
Rosa Weber, relatora, votou pela inconstitucionalidade do decreto de Bolsonaro um dia depois de Daniel Silveira ser condenado pelo STF. A presidente da Corte deu seu voto na sessão plenária desta quarta-feira (3), horas após a Polícia Federal bater à porta de Bolsonaro em investigação sobre supostas fraudes em sua carteira de vacinação contra a Covid-19.
Rosa viu 'desvio de finalidade' no perdão de Bolsonaro ao aliado. Na avaliação da ministra, o ex-presidente usou sua competência para conceder benefício 'de forma absolutamente desconectada do interesse público'. "A verdade é que o fim almejado com o decreto de indulto foi beneficiar aliado político de primeira hora, legitimamente condenado pelo STF", ressaltou.
A relatora viu ofensa aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa. Para ela, a conduta de Bolsonaro, de conceder perdão 'por simples vínculo de afinidade político-ideológico', 'revela uma faceta autoritária e descumpridora da Constituição Federal, pois faz prevalecer os interesses pessoais dos envolvidos em contraposição ao interesse estatal'.
Segundo Rosa, 'não pode criar no entorno da concessão de indulto um círculo de virtual imunidade penal'. "Não se pode aceitar a instrumentalização do Estado, de suas instituições e de seus agentes para, de modo ilícito, ilegítimo e imoral, obter benefícios de índole meramente subjetivos e pessoais, sob pena de subversão dos postulados mais básicos do estado democrático de direito", ressaltou a ministra.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta