Em uma derrota para a Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira (26), por sete votos a três, a favor da tese que pode levar à anulação de sentenças impostas em casos da operação e beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O julgamento, no entanto, foi adiado para a próxima quarta-feira (2) pelo ministro Dias Toffoli, presidente do STF.
A maioria dos ministros teve o entendimento de que réus delatores devem apresentar suas alegações finais em processos antes dos demais acusados e ações que não seguiram esse rito anteriormente devem ter suas condenações revistas. A depender da abrangência, isso pode levar à anulação de pelo menos 32 sentenças da Lava Jato de Curitiba, em um efeito dominó que envolveria mais de 150 réus condenados nos últimos 5 anos, segundo levantamento do jornal O Globo.
A defesa de Lula, por exemplo, já disse que a ação penal sobre o sítio de Atibaia (SP), na qual o petista foi condenado em primeira instância, seguiu esse roteiro e pediu a anulação da sentença. Além de Lula, estão na lista ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e até mesmo Carlos Habib Chebar, dono do posto de gasolina que deu nome à operação.
Na próxima quarta-feira, o plenário vai discutir a abrangência dessa decisão se valerá para processos em que as condenações já foram determinadas, ou se será aplicada apenas a partir de agora.
A votação do entendimento foi aberta em meio ao julgamento do habeas corpus de Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele apresentou recurso porque os delatores falaram junto aos delatados nas alegações finais. Para o julgamento específico deste caso, o placar entre os ministros está em 4 a 5.
RECADOS DO SUPREMO
Em meio ao enfraquecimento da operação, o julgamento marca o início da sequência de duros recados que o Supremo pretende dar à Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça.
Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da corte, Dias Toffoli, votaram pelo direito de réus delatados se manifestarem depois de delatores nas alegações finais.
Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux discordaram da tese e defenderam o prazo conjunto para a manifestação de réus delatores e delatados. Diante da ausência de Marco Aurélio Mello, Toffoli suspendeu o julgamento, mas indicou que também vota pelo direito dos réus delatares falarem por último em um processo.
LIMITE AO ALCANCE
O presidente da corte indicou que, embora concorde com a tese, vai propor que o Supremo estabeleça um limite ao alcance da decisão (se valerá para processos em que as condenações já foram determinadas, ou se será aplicada apenas a partir de agora.) que levou a maioria do plenário a anular, pela segunda vez, uma sentença da Lava Jato. Em agosto, a Segunda Turma do STF anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine.
A ideia de Toffoli é definir uma régua para evitar efeito cascata em outras ações. O presidente tem defendido que a concessão de decisões favoráveis só deve ocorrer quando os réus reclamaram do rito processual desde a primeira instância. A ideia é evitar uma avalanche de pedidos à corte após ser definida a jurisprudência sobre o tema.
VEJA O QUE DISSERAM OS MINISTROS
Edson Fachin (relator)
Fachin votou contra a anulação da sentença de Ferreira, entendendo que a defesa teve acesso a todos os dados necessários do processo durante a fase de interrogatórios e colheita de provas.
Em seu voto, o relator disse que não há na lei brasileira norma ou regra expressa que sustente a tese de que deve haver prazo diferente para as alegações finais de réus delatores e delatados.
Para o relator, não há qualquer prejuízo se réu delator e o delatado se manifestarem simultaneamente. Fachin defendeu que a colaboração premiada representa uma das possíveis formas do exercício da ampla defesa.
Fachin argumentou que, caso a apresentação das alegações fosse sucessiva, também exigiria a análise prévia de cada uma pelo juiz. Não se verifica a nulidade arguida pela defesa, disse.
Ainda segundo Fachin, a defesa do ex-gerente sequer argumentou que a ordem das alegações finais teria causado prejuízo efetivo, concreto e específico.
Alexandre de Moraes
Votou pela anulação da sentença, argumentando que o direito do réu de falar por último está contido no exercício pleno da ampla defesa, e esse princípio também se aplica a réus delatores e delatados. Não são meras firulas jurídicas.
Moraes considerou que o réu delator tem interesse totalmente oposto do réu delatado, em razão de ter fechado acordo de delação premiada com o Ministério Público. Como a pena do delator já está estabelecida, a ele caberia apenas acusar.
O interesse é demonstrar que suas informações [do delator] foram imprescindíveis para obtenção de provas e condenação. Até porque, se de nada prestar a delação, o delator não terá as vantagens que foram prometidas, completou.
Luís Roberto Barroso
Votou pela manutenção da sentença. Em seu voto, afirmou que as alegações finais não são uma inovação no direito penal e, por isso, não devem servir como motivo para anular sentenças.
Ninguém é surpreendido por nada que se traga em alegações finais. As alegações finais se limitam a interpretar, analisar e comentar as provas já produzidas, disse.
Barroso acrescentou que, no caso específico, o réu teve novo prazo para apresentar alegações finais complementares, mas não quis aproveitá-lo. Além disso, afirmou que a defesa não trouxe nenhum argumento que comprove prejuízo sofrido. O que o colaborador disse que não se sabia?
Luiz Fux
O ministro votou contra momentos diferentes para réus delatores e delatados apresentarem alegações finais e para manter válida a sentença do ex-gerente.
É claro que o delator e delatado, ambos, são réus. E corréu não pode assumir posição de assistência de acusação. Delator e delatado se defendem em face do Ministério Público, defendeu.
O ministro disse também que as alegações finais não representam meio de prova. Ao chegar nessa parte, os réus já tiveram acesso a todas as provas, argumentou. Fux afirmou ainda que o contraditório e ampla defesa se referem a fatos que podem surpreender.
Rosa Weber
A ministra Rosa Weber, quarta a votar, deu o segundo voto pela anulação da sentença do ex-gerente da Petrobras e favorável à tese que pode anular outras condenações. Para a ministra, é preciso dar tratamento específico para igualar os desiguais.
A interpretação da legislação há que se fazer forte nos princípios do contraditório e da ampla defesa, defendeu a ministra.
Segundo Rosa Weber, o conteúdo da manifestação do réu delator deve ser levado previamente a conhecimento do réu delatado.
Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia votou a favor da tese que pode afetar outras condenações da Lava Jato. Porém, ela fez a ressalva de que a defesa precisa comprovar que os réus delatados sofreram prejuízo sofrido.
Com esse argumento, a ministra votou pela manutenção da sentença específica do ex-gerente da Petrobras, pois não ficou comprovado que houve prejuízo da defesa.
Segundo a ministra, embora não haja previsão na lei sobre a ordem das alegações finais, é preciso fazer uma interpretação.
O acordo de colaboração premiada é uma espécie de negócio jurídico celebrada com o Ministério Público e a Polícia Federal. A partir dessa sistemática, o réu, quando colaborador, tem interesse na efetividade de suas colaborações, afirmou.
Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski votou pela anulação da sentença e favorável à tese de que réus delatores devem apresentar alegações finais antes de réus delatados.
O contraditório é um dos valores mais caros da civilização ocidental, afirmou. O ministro afirmou que não assusta o risco de vários processos terem que voltar à estaca zero.
Houve, sim, gravíssimo prejuízo nesse caso porque o juiz de primeiro grau negou-lhe o direito de os delatados falarem por último, argumentou.
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do ministro Alexandre de Moraes, pela anulação da sentença e favorável à tese de alegações finais de réus delatores e delatados em momentos diferentes.
Não se pode combater a corrupção cometendo crimes, afirmou.
Celso de Mello
O ministro Celso de Mello formou maioria a favor da tese de que alegações finais de réus delatados devem ser apresentadas depois das dos réus delatores.
Celso de Mello também concedeu o pedido do ex-gerente da Petrobras para anular sua sentença na Lava Jato.
Entendo que a prerrogativa do réu delatado traduz solução mais compatível do direito de defesa, afirmou o ministro.
Nos casos em que há réus colaboradores e delatados, não havendo previsão no Código de Processo Penal, a lacuna deve ser suprida pelo princípio da ampla defesa, afirmou o decano (mais antigo ministro) da Corte.
Segundo ele, é inegável que o acusado tem o direito de conhecer a síntese da acusação contra ele.
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