Em meio à crise econômica desencadeada pelo novo coronavírus, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem pressionado o Congresso para preservar o próprio salário e evitar a aprovação da redução de vencimentos e de jornada de trabalho de servidores públicos.
A Corte, inclusive, fez questão de declarar, nesta semana, a inconstitucionalidade de artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que permitia a diminuição de vencimentos do funcionalismo como alternativa para enfrentar problemas financeiros.
Além do lobby em favor da própria remuneração, o Supremo também dá demonstrações de que não quer mexer nos chamados penduricalhos da magistratura, os benefícios que engordam o salários dos juízes.
No último dia 23 de março, quando a pandemia já havia sido decretada, a Corte retirou de pauta o julgamento que discute se juízes têm direito a licença-prêmio.
O benefício prevê recesso remunerado de três meses a quem prestar cinco anos de serviço. Em alguns casos, servidores que não tiram a licença podem recebê-la em dinheiro ao se aposentar.
A análise do caso havia sido incluída, em 19 de março, na sessão virtual da Corte que começaria em 3 de abril. Quatro dias depois, no entanto, o relator da matéria, ministro Alexandre de Moraes, retirou o recurso de pauta.
Há anos o excesso de penduricalhos e os supersalários são criticados, inclusive, por ministros do Supremo. A Corte, no entanto, hesita em julgar casos que mexam nos vencimentos dos juízes.
A decisão liminar (provisória) do ministro Luiz Fux que estendeu o auxílio-moradia a todos os magistrados do Brasil, por exemplo, durou quatro anos e sequer foi julgada pelo plenário.
O próprio ministro revogou o benefício, mas sem deixar que a medida afetasse o bolso da categoria: a revogação só ocorreu após o então presidente Michel Temer garantir o reajuste de 16,32% no teto salarial, que é usado como base para calcular a remuneração dos juízes.
A redução salarial discutida no Congresso neste ano também preocupava o STF porque mirava os salários mais altos. A articulação de deputados com o governo era prever um corte maior em categorias que têm remunerações elevadas.
O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, porém, já deixou claro aos presidente da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, respectivamente, que a Corte discorda da medida.
E, neste caso, o Ministério Público, que muitas vezes diverge do Judiciário, está unido com o STF. O procurador-geral da República, Augusto Aras, inclusive, fez movimento similar ao de Toffoli e também avisou aos chefes do Congresso que a proposta enfrenta resistência na categoria.
Em relação à licença-prêmio, o processo chegou ao STF em maio de 2017 e, em outubro daquele ano, os ministros decidiram dar repercussão geral ao julgamento. Em outras palavras, o Supremo determinou que a decisão valerá para todos os processos do país que tratam do tema.
Assim, caso o STF derrube a previsão do benefício para a magistratura, juízes de primeira e segunda instância que recebem a verba em razão de lei estadual aprovada nesse sentido também podem ser impactados.
Se a decisão for favorável, o caso tem potencial para beneficiar os 16 mil magistrados brasileiros, uma vez que, com a decisão do STF, todos poderão requerer a licença-prêmio na Justiça e terão o direito assegurado.
Apesar da análise prévia sobre o alcance do julgamento, o plenário nunca se debruçou sobre o tema para tomar uma decisão definitiva a respeito.
O argumento dos magistrados é que integrantes do Ministério Público têm direito ao benefício e a Constituição prevê a simetria entre as duas carreiras. Ou seja, se promotores e procuradores têm direito, juízes também deveriam ter.
Em alguns estados, o funcionário do MP que não usa a licença-prêmio passa a ter direito de recebê-la em dinheiro. Assim, se o servidor estiver no topo da carreira e receber o teto do funcionalismo, o que não é raro na magistratura, o funcionário tem direito a receber cerca de R$ 117,6 mil a mais a cada cinco anos.
A retirada de pauta é mais um movimento da magistratura para não perder salários e benefícios em meio à pandemia.
E o julgamento que fixou a repercussão geral ao caso, que ocorreu no plenário virtual, deu um indicativo de que não haverá unanimidade nem a favor nem contra a concessão do benefício.
O relator, ministro Alexandre de Moraes, votou para reconhecer a repercussão geral e reafirmar a jurisprudência da Corte no sentido de que juízes não têm direito ao benefício.
Para Moraes, deveria ser aplicada à discussão a súmula vinculante do STF que proíbe o Poder Judiciário de "aumentar vencimentos de servidores sob o fundamento da isonomia" por não ter função legislativa.
Moraes sugeriu que fosse fixada a seguinte tese a ser aplicada aos processos do país que discutem se juízes têm direito ao benefício:
"É ilegítima a concessão de licença-prêmio aos membros do Poder Judiciário, bem como a indenização por sua não-fruição, com fundamento na isonomia em relação aos membros do Ministério Público, haja vista afrontar o disposto na Súmula vinculante 37".
Os ministros concordaram por unanimidade dar repercussão geral ao caso, mas houve divergência em relação à tese proposta por Moraes.
No mérito, porém, a maioria divergiu do ministro e afirmou que não há jurisprudência consolidada da Corte sobre o tema.
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