Sem tomar os depoimentos de Jair Bolsonaro e do ministro Sérgio Moro (Justiça) e sem realizar qualquer ato de investigação, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge solicitou e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski mandou arquivar, nesta quarta (18), um pedido de apuração sobre o presidente e o ministro.
A bancada do PT no Congresso havia pedido ao STF que ambos fossem investigados após o presidente ter declarado, em junho, que teve acesso a informações do inquérito, que tramitava sob segredo, a respeito dos laranjas do PSL em Minas Gerais.
Revelado pelo jornal Folha de S.Paulo no início de fevereiro, o caso dos laranjas do PSL, o partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, é alvo de investigações da PF e do Ministério Público em Minas e em Pernambuco e levou à queda do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que comandou o partido em 2018.
A Polícia Federal vê indicativos de participação do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em um suposto esquema que direcionou verbas de campanha eleitoral para empresas ligadas ao seu gabinete na Câmara.
Em 27 de junho, a PF deflagrou uma operação para investigar o assunto e prendeu um assessor de Antônio. Um dia depois, quando concedeu uma entrevista coletiva em Osaka, no Japão, Bolsonaro foi indagado sobre o assunto e respondeu: "Ele [Moro] mandou a cópia do que foi investigado pela Polícia Federal pra mim. Mandei um assessor meu ler porque eu não tive tempo de ler".
O caso, entretanto, tramitava sob segredo na 26ª Zona Eleitoral de Minas Gerais, em Belo Horizonte.
Dias depois da declaração de Bolsonaro, questionado pela Folha de S.Paulo, o Ministério da Justiça confirmou ter repassado informações sobre o inquérito ao presidente e que elas não comprometiam o andamento das investigações.
Para Lewandowski, contudo, "não há elementos probatórios suficientes para justificar a deflagração da persecução criminal". O pedido da bancada do PT ao STF era justamente a abertura de uma investigação a fim de que ficasse esclarecido como ocorreu e quando o repasse das informações que constavam de um inquérito sigiloso.
Os parlamentares pediram providências ao STF no dia 5 de julho, após a Folha de S.Paulo ter dado destaque à declaração de Bolsonaro no Japão. Menos de dois meses depois, em 3 de setembro, Raquel Dodge apresentou sua manifestação sobre o caso sem tomar qualquer depoimento ou solicitar qualquer diligência.
Ela limitou-se a avaliar o conteúdo do pedido dos parlamentares. Entre agosto e início de setembro, Dodge ainda era citada como uma possível opção de Bolsonaro para permanecer à frente da PGR por mais dois anos --acabou trocada pelo subprocurador Augusto Aras, escolhido por Bolsonaro fora da lista tríplice do Ministério Público Federal, rompendo uma tradição que vinha sendo observada desde 2003. Aras foi anunciado para o cargo dois dias depois do parecer de Dodge.
A então procuradora-geral disse ao STF que a representação do PT "reporta-se tão somente a trecho extraído de entrevista coletiva concedida pelo presidente da República Jair Bolsonaro, quando em visita ao Japão, em 28 de julho [junho] de 2019, desprovida de indícios de materialidade que amparem a verossimilhança dos fatos narrados".
Dodge escreveu ainda que "não há elemento concreto que indique que o ministro Sérgio Moro tenha obtido conhecimento do teor das investigações relativas à Operação Sufrágio Ostentação --além do que tenha sido divulgado pela mídia pelo órgão de investigação que está acompanhando a apuração". A procuradora não esclareceu a que mídia ou "órgão de investigação" se referiu.
Dodge disse ainda que é "ausente justa causa para deflagrar investigação criminal". Sobre Moro, Dodge opinou ainda que "não há sequer indicação de que o ministro tenha adentrado na investigação, obtido informações sigilosas ou repassado, retirando a autonomia da Polícia Federal, como inferem --sem indícios de prova-- os representantes [parlamentares]".
Para Lewandowski, "a superficialidade da referida declaração [de Bolsonaro], por si só, não permite a adequação das condutas aos ilícitos penais atribuídos aos representados. Assinalo, ainda, que não há substrato mínimo comprobatório do teor das informações sigilosas do inquérito em andamento".
A bancada do PT citou o artigo 325 do Código Penal, que veda "revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação", que prevê uma pena de detenção de seis meses a dois anos, e o artigo 32 da Lei de Acesso à Informação, que lista como conduta ilícita do agente público ou militar "utilizar indevidamente" e "divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal". A bancada também apontou eventual crime de responsabilidade cometido por Bolsonaro.
Na decisão, Lewandowski ressaltou ainda que a PGR afirmou que "diante do contexto acima narrado, nem sequer é possível aventar elementos indicativos de eventual participação do presidente da República em crime de responsabilidade".
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