O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira (2), o julgamento sobre o porte de maconha para consumo pessoal com mais um voto sinalizando a fixação de uma quantidade da droga para se diferenciar um usuário de um acusado de tráfico. O ministro Alexandre de Moraes ressaltou as "injustiças" e a "discriminação" a partir da edição "aberta" da Lei de Drogas, apontando a necessidade de uma aplicação isonômica da norma.
Após a manifestação de Alexandre, o relator, ministro Gilmar Mendes, pediu um adiamento do julgamento para que possa apresentar ao colegiado um voto com "consenso básico" entre todas as ponderações já feitas sobre o tema. Além do decano e de Alexandre de Moraes, já se pronunciaram sobre o caso os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Gilmar Mendes defende a declaração da inconstitucionalidade do artigo da Lei de Drogas que versa sobre as penas para quem porta drogas, em geral, para consumo próprio. Para ele, a criminalização estigmatiza o usuário.
Fachin e Barroso acompanharam em parte o relator, mas restringindo a descriminalização somente para a maconha. Barroso inclusive propôs que a Corte estabeleça que o porte de até 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas como parâmetro para diferenciar consumo e tráfico. Alexandre de Moraes acompanhou tal vertente, avançando na proposta de Barroso e propondo uma faixa de 25,99 a 62 gramas como critério para se considerar o porte para consumo pessoal.
Alexandre frisou, em diferentes momentos do julgamento, que 'quem despenalizou o porte de maconha para uso pessoal foi o Congresso Nacional, em 2006, mantendo a penalização do tráfico de drogas'. "O que discutimos, no Supremo, é como evitar os efeitos nefastos de uma aplicação deturpada da lei, que acabou gerando encarceramento maciço após sua edição", ponderou.
A despenalização que o ministro citou está ligada ao fato de que, a partir da Lei de Drogas, o porte para consumo pessoal é penalizado com advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas educativas, e não uma pena restritiva de liberdade, ou seja, prisão, como em casos de tráfico.
A indicação foi encampada pelo ministro Roberto Barroso que destacou como a despenalização foi feita pelo Congresso, uma "decisão politica tomada há anos". "Estamos ajustando detalhes", ponderou.
Gilmar indicou que pretende devolver o processo na próxima semana ou na outra, para uma rápida retomada da discussão. A presidente Rosa Weber assentiu com a ideia de uma solução "coletiva e colegiada" sobre o assunto, externando a vontade de votar sobre o tema — ela se aposenta compulsoriamente da Corte máxima em setembro.
O ministro usou levantamentos para ilustrar suas ponderações. Uma de tais pesquisas, realizada em São Paulo com base em casos empíricos, indicou, segundo Alexandre, uma média de disparidades.
De acordo com o estudo, uma pessoa analfabeta é enquadrada como traficante quando porta 32 gramas de maconha, enquanto outra com segundo grau completo só recebe o mesmo enquadramento com 40 gramas do entorpecente. Já quem tem curso superior, só recebe a imputação de tráfico quando carrega 49 gramas.
Em seu voto, Alexandre de Moraes indicou que há estudos e parâmetros que buscam fixar uma quantidade de maconha que poderia ser porte para uso pessoal ou tráfico, para "não gerar impunidade e não prejudicar como a aplicação da lei já prejudicou, o usuário". Segundo o ministro, é necessário fixar um critério para quantidades limítrofes, que não penalize o usuário.
"Há a necessidade de equalizar uma quantidade média como presunção relativa para diferenciar o traficante do portador pra uso próprio, porque essa necessidade vai ao encontro do tratamento igualitário, isonômico para quem for pego portando maconha", ponderou.
Ainda segundo o ministro, o mesmo estudo mostra que o critério de idade é "ainda mais desproporcional". Segundo Alexandre, a pesquisa mostrou que, pessoas de 18 anos eram enquadradas por tráfico quando portavam 23 gramas de maconha. Já para quem tinha 30 anos, a régua subia para 36 gramas. Para maiores de 30, a qualificação como traficante só se dava quando eram encontradas 56 gramas da droga.
Segundo Moraes, tais dados mostram porque os presídios estão 'lotados com jovens e analfabetos'.
O ministro ainda explicou os achados do estudo sobre a diferença no tratamento entre brancos e negros. De acordo com a pesquisa, uma pessoa branca, para ser considerada traficante, tem que ter 80% a mais de droga do que o negro.
Assim, o ministro ilustrou que a chance de um jovem, negro, sem instrução formal ser considerado traficante pelo sistema de justiça é "gigantesca", ao contrário do que acontece com um branco, mais velho e com ensino superior.
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