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STJ: ministros pró-Flávio Bolsonaro votaram diferente em casos semelhantes

STJ: ministros pró-Flávio Bolsonaro votaram diferente em casos semelhantes

Três dos quatro ministros que votaram a favor da anulação da quebra dos sigilos bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro adotaram posição distinta em julgamentos anteriores

Publicado em 26 de fevereiro de 2021 às 17:21- Atualizado há 3 anos

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Senador Flávio Bolsonaro
Senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. (Jefferson Rudy/Agência Senado)

Três dos quatro ministros da Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que votaram a favor da anulação da quebra dos sigilos bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) adotaram posição distinta em julgamentos anteriores sobre o mesmo tema.

Reynaldo da Fonseca, Joel Paciornik e Ribeiro Dantas já referendaram decisões de juízes que fundamentaram suas posições expressando apenas concordância com os argumentos do Ministério Público.

Na terça (23), a Quinta Turma anulou a decisão que quebrou os sigilos bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro e de outros investigados. Por 4 a 1, a maioria entendeu que Flávio Itabaiana, juiz de primeira instância, não detalhou a necessidade da medida.

Uma das decisões mantidas por esses ministros anteriormente trata de situação idêntica à do filho do presidente Jair Bolsonaro: quebra de sigilos bancário e fiscal numa investigação de "rachadinha" com um despacho sucinto.

A revogação da quebra de sigilo deve levar o caso de Flávio à estaca zero, anulando outras provas colhidas que não podem ser apreendidas de novo, como celulares e comprovantes bancários. A turma vai analisar na próxima terça-feira (2) outros recursos da defesa do senador que põem em risco quase toda a apuração.

A decisão de Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, foi anulada porque os ministros consideraram que ela não teve fundamentação suficiente.

Nela, o magistrado afirma apenas que "analisando os argumentos expendidos pelo Parquet [Ministério Público] na petição inicial e examinando os anexos constantes da mídia digital, verifica-se que o afastamento dos sigilos bancário e fiscal é importante para a instrução do procedimento".

A decisão, de abril de 2019, foi mantida pelo Tribunal de Justiça do RJ, por entender que o magistrado adotou uma técnica jurídica chamada "per relationem", na qual fundamenta sua decisão remetendo a outra peça dos autos.

Os quatro ministros que defenderam a anulação consideraram ilegal a ausência de qualquer análise própria sobre os argumentos do MP-RJ.

"O magistrado não se deu ao trabalho de encampar ou adotar de forma expressa as razões do pedido do Parquet. Apenas analisou os argumentos, examinou os anexos, concluindo que a medida era importante", afirmou o ministro João Otávio de Noronha.

É o voto de Reynaldo da Fonseca que indica um marco temporal da mudança de entendimento da corte. Ao apresentar suas justificativas, ele fez referência a um julgamento em 28 de agosto de 2019 no qual a 3ª Seção do STJ exigiu alguma fundamentação própria em decisões judiciais.

"A partir desse precedente, passamos, pelo menos eu passei, a examinar a técnica 'per relationem' como uma técnica válida, desde que use argumentos próprios ou faça a relação do fato com a peça que está sendo adotada", disse.

No caso a que ele faz referência, os ministros confirmaram a anulação feita pelo STJ em 2016 de um acórdão do TJ-SP porque, ao manter uma sentença condenatória por roubo, os desembargadores apenas transcreveram a decisão de primeira instância sem abordar os argumentos da apelação do réu.

É, de fato, possível encontrar no STJ outras decisões semelhantes à tomada na terça em anos anteriores. Mas pesquisa feita pela reportagem no site do STJ mostra que Fonseca, Dantas e Paciornik apresentaram outro entendimento em julgamentos ao menos até o primeiro semestre de 2019.

Um deles versa sobre a quebra de sigilo de um ex-deputado estadual e assessores numa investigação sobre "rachadinha" na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

A decisão de primeira instância que quebrou o sigilo se limitou a mencionar "a necessidade impreterível da realização da diligência, pois como adiantou o solicitante, a medida consiste no único instrumento investigatório para o bom prosseguimento dos trabalhos de apuração".

O relator era Paciornik. Em seu voto, em 2018, ele afirmou que "não se pode confundir fundamentação concisa com a sua ausência". O texto foi referendado por unanimidade na Quinta Turma, da qual já faziam parte os três ministros.

Eles também mantiveram, em 2019, decisão do juízo de Execução Penal de Araçatuba (SP) de uma linha na qual indeferiu o pedido de recálculo de pena de um preso "com fundamento na manifestação clara do MP".

Também aceitaram, em 2018, decisão judicial manuscrita na petição do próprio MP-RJ em que pede busca e apreensão em endereços ligados a suspeitos de desvio de recursos da Apae de Barueri.

Na última terça, Fonseca apresentou outros julgamentos com resultados semelhantes, todos decididos em 2020.

Um deles é de relatoria de Paciornik, de setembro de 2020. No acórdão, o ministro apresenta posição mais rígida sobre a técnica "per relationem".

"A mera transcrição de manifestação nos autos, sem qualquer acréscimo de argumentos próprios, não é apta a suprir a exigência de fundamentação das decisões judiciais", escreveu, ao anular uma decisão de bloqueio de bens.

O entendimento mais rígido foi seguido por Ribeiro Dantas, Fonseca e Noronha. Félix Fischer, que no caso de Flávio votou pela manutenção da quebra de sigilo, também concordou com a anulação de bloqueio de bens no caso.

Noronha relatou apenas um julgamento no qual a técnica é debatida. O caso, porém, não tem semelhanças com o de Itabaiana. Ribeiro Dantas, ao fundamentar seu voto no processo do senador, também disse que a lei anticrime, sancionada em 2019, deixou expressa a necessidade de fundamentação própria.

O professor de direito penal da UFRJ Salo de Carvalho afirmou que é aceitável a mudança de posição de magistrados em órgãos colegiados como fruto do debate sobre determinado tema.

"O que chama a atenção é a mudança de toda uma turma. Isso é mais difícil", afirma.

Ele diz concordar com a decisão do caso do filho do presidente, por considerar a fundamentação da decisão uma exigência constitucional.

Levantamento apontou que a Quinta Turma aceitou o uso da técnica "per relationem" em 26 dos 29 julgamentos realizados desde janeiro de 2020. O número, porém, inclui decisões que se remetem a despachos anteriores do mesmo magistrado, e não apenas aos fundamentos do MP-RJ.

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