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TCU determina suspensão de repasses do governo Bolsonaro para kits robótica

TCU determina suspensão de repasses do governo Bolsonaro para kits robótica

Decisão tem como base as revelações da Folha de S.Paulo sobre repasses de dinheiro federal que priorizaram prefeituras com contratos com uma mesma empresa, a Megalic

Publicado em 25 de abril de 2022 às 18:53

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O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou que o governo Jair Bolsonaro (PL) suspenda repasses de dinheiro do MEC (Ministério da Educação) para compra de kits de robótica. A pasta deve também interromper a celebração de novos termos de compromisso com prefeituras para esse fim.

A decisão cautelar é do ministro Walton Alencar e tem como base as revelações da Folha de S.Paulo sobre repasses de dinheiro federal que priorizaram prefeituras com contratos com uma mesma empresa, a Megalic.

Os donos têm ligação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que controla a distribuição de parte das bilionárias emendas de relator do Orçamento, fonte do dinheiro para robótica.

Sete cidades alagoanas receberam neste ano R$ 26 milhões de dinheiro do MEC para robótica, apesar de sofrerem com deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, internet, computadores e até água encanada.

Ao somar os valores recebidos por outros dois municípios pernambucanos, também com contratos junto a Megalic, o valor chega a R$ 31 milhões.

Isso representa 79% do que foi gasto no 1º trimestre na rubrica específica para compra de equipamentos e mobiliário, na qual se inclui o gasto com kits de robótica.

Sede do Ministério da Educação, em Brasília
Sede do Ministério da Educação, em Brasília. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Os valores foram transferidos a jato e sob ausência de critérios técnicos em abril, após publicação da Folha de S.Paulo, o FNDE manteve mais transferências a municípios.

Os recursos são gerenciados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). O órgão do MEC é controlado por políticos do centrão. Questionados, MEC e FNDE não responderam até a publicação deste texto.

"Os indícios de irregularidades apontados são graves e, caso confirmados, podem ocasionar prejuízo ao erário relevante e a ineficácia da política pública de educação, caso os kits de robótica sejam destinados a municípios sem capacidade de utilizá-los adequadamente", diz o despacho.

O processo foi aberto no TCU após representação do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) a partir de reportagens da Folha de S.Paulo.

No despacho, o TCU também dá um prazo de cinco dias para que o FNDE comprove notificação a todos os municípios que receberam recursos de robótica sobre a suspensão dos termos de compromisso com o governo federal.

O tribunal pede ainda informações detalhadas sobre todos os beneficiados com os recursos e pareceres sobre aquisição de kits de robótica.

Diligências no FNDE e nas prefeituras beneficiadas de Alagoas e Pernambuco também são determinadas pelo TCU. O entendimento vale tanto a municípios que já receberam os recursos quanto a outros para os quais o governo Bolsonaro já efetivou empenhos (reserva de dinheiro) para kits.

A área técnica do tribunal, que subsidia os ministros na análise dos processos, identificou que o governo já empenhou R$ 146 milhões para a compra de kits de robótica. O recurso é destinado a 29 municípios de Alagoas e 10 de Pernambuco.

Há questionamentos no processo sobre a falta de critério para priorizar pagamentos a Alagoas, com "três vezes mais empenhos para o Programa Educação Conectada [que inclui os kits] do que o estado em segunda posição (PE) e mais de 50 vezes o Estado em quinto lugar (SC)".

Neste domingo (24), a Folha de S.Paulo mostrou que o governo Bolsonaro liberou mais dinheiro para municípios que contrataram kits de robótica do que investiu na construção de creches em todo o país neste ano.

Enquanto 11 municípios receberam R$ 35 milhões para robótica, o governo só gastou R$ 30 milhões para construção de creches em 206 prefeituras.

O tribunal também questiona os valores dos kits e pede ao FNDE a memória de cálculo. O fundo não tem ata de registros de preços sobre isso, mas os técnicos do TCU identificaram que, no sistema do órgão, a solução robótica já aparece com valor definido, de R$ 176 mil.

Além de comprar cada kit por R$ 14 mil, os contratos incluem outros custos como material didático para alunos e professores e formações para docentes, o que eleva os contratos —em alguns, cada solução de robótica, que inclui um conjunto de kits e o pacote de materiais e formações, é orçada por R$ 176 mil.

A Megalic tem vendido os robôs para prefeituras por R$ 14 mil, valor 420% superior ao pago por parte deles, como a Folha de S.Paulo também revelou —essa informação foi considerada na análise do TCU.

A empresa Megalic funciona numa casa em Maceió e tem como sócio Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda. A relação entre eles e Lira é pública. O vereador, a empresa e o presidente da Câmara negam irregularidades.

Os empenhos identificados pelo TCU incluem as cidades que já receberam os recursos e que foram citadas pela Folha de S.Paulo.

São elas: União dos Palmares, Canapi, Santana do Mundaú, Branquinha, Barra de Santo Antônio, Maravilha, Flexeiras e Joaquim Gomes, de Alagoas, Bom Jardim, Carnaubeira da Penha e João Alfredo, de Pernambuco.

O presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, era assessor de Ciro Nogueira (PP-PI), atual ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro, do mesmo partido de Lira e um dos líderes do bloco de apoio à atual gestão federal.

Em 28 de março o ministro Milton Ribeiro foi exonerado após vir à tona a existência de um balcão de negócios na pasta, com participação de pastores evangélicos sem vínculo oficial com o poder público e acusações de cobrança de propina até em barra de ouro.

Ele perdeu o cargo sete dias após a Folha de S.Paulo revelar áudio em que ele dizia que privilegiava um dos pastores lobistas a mando de Bolsonaro.

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Com Milton Ribeiro no comando do MEC e políticos do Centrão no controle das transferências do órgão, o fundo virou uma espécie de balcão político. Dados oficiais da pasta mostram uma explosão de aprovações de obras, ausência de critérios técnicos, burla no sistema e priorização de pagamentos a aliados.

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