O TCU (Tribunal de Contas da União) retirou de pauta e deixou em banho-maria o julgamento da auditoria dos gastos com cartão corporativo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus parentes.
O processo, que estava previsto para ser julgado pelo plenário da corte nesta quarta-feira (1º), em sessão fechada, não tem nova data para a análise.
A decisão pela retirada do caso da pauta foi tomada pelo relator do caso, o ministro Raimundo Carreiro, pouco antes do início da sessão. Oficialmente, a corte não informou os motivos da retirada.
Já nos bastidores, circula a informação de que houve pressão para que Carreiro não julgasse o caso, antes da análise do processo de suspeição contra ele, sob a relatoria do ministro Bruno Dantas.
O pedido de suspeição foi motivado pelo fato de Bolsonaro ter indicado Carreiro para assumir a embaixada do Brasil em Portugal. A indicação foi aprovada nesta terça-feira (30), pelo Senado. Agora, o ministro aguarda a nomeação.
Se o processo não for para a pauta, ele deverá ficar travado até a indicação de um novo ministro para o cargo, que receberá a nova relatoria. Isso porque não há data prevista para a análise do pedido de suspeição.
Técnicos do tribunal avaliam que seria inusitado Carreiro querer julgar o processo antes da análise da suspeição no caso. Já oficialmente, a corte sustenta que isso poderia ocorrer porque o pedido de suspeição corre em outro processo.
Uma corrente no TCU sustenta que Carreiro já pode ser considerado um funcionário de Bolsonaro em razão do cargo que irá assumir e, por isso, não deve mais julgar nenhum processo envolvendo o presidente.
Já Carreiro afirmou à reportagem que pretende pautar novamente o processo para o próximo dia 8. Uma definição sobre a data em que Carreiro assumirá a embaixada depende do Itamaraty, conforme o ministro.
Se ele confirmar a intenção de levar o processo para votação, seria necessária uma definição sobre a suspeição antes da formalização da nova pauta.
No TCU, não é comum que os ministros se rivalizem ou deem andamento a pedidos de suspeição. O tribunal tem natureza política, e é comum que decisões sejam tomadas após um alinhamento prévio de entendimentos.
O pedido de sigilo sobre os gastos do cartão corporativo de Bolsonaro partiu da Presidência da República, segundo Carreiro, o que foi aceito no curso do processo no TCU.
O ministro afirmou à reportagem que o pedido de sigilo na documentação foi feito pelo "gestor da Diretoria-Geral da Presidência".
O processo no TCU tem como parte a Secretaria-Geral da Presidência. O chefe da pasta, que despacha no Palácio do Planalto, é o general Luiz Eduardo Ramos.
Ele assumiu o cargo em julho, depois de passar pela Casa Civil. Chegou esvaziado à função. Antes dele, o titular da Secretaria-Geral era Onyx Lorenzoni, agora titular do recém-recriado Ministério do Trabalho e da Previdência.
Carreiro afirmou que não há motivo para que ele seja declarado suspeito no caso. E disse que pretende levar o caso para julgamento na próxima semana em uma sessão secreta, da mesma forma como estava previsto para esta quarta.
"Eu fui elogiado [pelo presidente]. A alegação para a suspeição foi por isso, não porque eu fui indicado para a embaixada. Não vou declarar-me suspeito", disse o ministro.
O pedido de suspeição foi movido pelo deputado Elias Vaz (PSB-GO), integrante da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. Com a saída do ministro, o processo de suspeição seria arquivado, por perda de objeto.
"É preciso corrigir isso, não dá para um ministro que foi indicado para embaixador continuar na condição de relator desse processo", disse o deputado à Folha.
"A indicação dele não foi técnica, foi política, até porque ele não tem carreira na diplomacia. Foi premiado a um cargo pelo presidente, como vai dizer que é isento em fiscalizá-lo", afirmou Vaz.
A equipe do deputado levantou que Bolsonaro apresenta um gasto médio mensal de R$ 1,5 milhão no cartão corporativo. Em 2019, usou R$ 14, 8 milhões; em 2020, R$ 19,1 milhões e, até o mês de outubro deste ano, R$ 14,4 milhões.
Até agora, congressistas não conseguiram ver detalhes dos gastos nem tiveram acesso ao relatório produzido pelo TCU.
Em agosto de 2019, Bolsonaro prometeu mostrar aos veículos de imprensa o extrato de seu cartão corporativo pessoal, mas até hoje não o fez.
"Eu vou abrir o sigilo do meu cartão. Para vocês tomarem conhecimento quanto gastei de janeiro até o final de julho. Ok, imprensa? Vamos fazer uma matéria legal?", afirmou na época.
Os cartões corporativos são usados no serviço público para despesas como compra de materiais, prestação de serviços e abastecimento de veículos oficiais, por exemplo.
Os valores totais da gestão pública são abertos, mas há sigilo sobre despesas consideradas de segurança nacional, como a alimentação e o transporte do presidente.
Hoje, três nomes estão no páreo pela vaga de Carreiro: os senadores Antônio Anastasia (PSD-MG), Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, e a senadora Kátia Abreu (PP-TO), considerada favorita.
Carreiro oficialmente só iria se aposentar em 2023, portanto não haveria a necessidade de o Senado decidir agora o sucessor. No entanto, Bolsonaro decidiu indicá-lo para o posto em Lisboa, inicialmente, para poder indicar alguém de sua confiança para o cargo.
O governo, no entanto, voltou a se aproximar de Kátia Abreu e por isso ela se tornou a candidata do Palácio do Planalto.
Por outro lado, Anastasia é visto pelos senadores como o mais preparado para assumir a vaga no TCU, por seu conhecimento na área do direito e sua atuação técnica no Legislativo.
A assessoria do TCU respondeu que "a inclusão ou retirada de processo de pauta é prerrogativa do relator e não é necessária justificativa" e que o ministro não deu previsão de retorno do caso à pauta.
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