Após quase duas décadas de desenvolvimento (ou três, a contar das propostas iniciais) e sete anos de atraso, o Telescópio Espacial James Webb deve subir ao espaço no dia 25, por volta das 9h20 (horário de Brasília).
A promessa é revolucionar nossa compreensão do Universo e nos aproximar da resposta à clássica pergunta "Estamos sós?". Mas isso só depois de um mês dramático de atividades para colocar o telescópio em operação. Não há margem para erro.
O projeto da Nasa (agência espacial americana), concebido em parceria com a ESA (sua contraparte europeia) e com a CSA (canadense), teve seu início formal em 2003, a partir de propostas que remontam aos anos 1990, não muito tempo depois do lançamento do Telescópio Espacial Hubble.
Não por acaso, o projeto vem sendo desde então apresentado como "o sucessor do Hubble", embora seja importante qualificar de que forma se dá essa sucessão.
Um dos grandes idealizadores do projeto foi John Mather, astrofísico do Centro Goddard de Voo Espacial da Nasa. Ganhador do Prêmio Nobel em Física de 2006, Mather foi um dos responsáveis pelo satélite Cobe, que operou de 1989 a 1993 e mapeou as pequenas variações na radiação cósmica de fundo, o eco em micro-ondas deixado pelo Big Bang.
É, em essência, a primeira luz que circulou livremente pelo Universo, quando ele tinha apenas uns 380 mil anos, e mostra as pequenas flutuações na distribuição de matéria e energia que no fim das contas produziriam estrelas e galáxias.
Já o Hubble, lançado em 1990, foi usado para sondar as profundezas do Universo, reconstruindo os últimos 13 bilhões de anos da história cósmica. Quanto mais longe o objeto observado, mais antigo ele é (porque o tempo que leva para a luz chegar dele até nós, viajando pelo vácuo a 300 mil km/s, é maior).
Com isso, o venerável telescópio espacial, até hoje em operação, conseguiu ver algumas das primeiras galáxias de configuração moderna a surgirem no Universo, uns 500 milhões de anos após o Big Bang. Mas, quando o Hubble tenta enxergar mais longe que isso (e mais para trás no tempo), tudo que ele encontra é escuridão. Não porque não haja nada lá, mas porque a luz que vem de mais longe é invisível para ele.
O Webb, por sua vez, foi projetado para ver o que o Hubble não consegue. Espera-se que ele possa se aprofundar nessa viagem rumo ao passado e enxergar as primeiras galáxias primitivas, mergulhando num período até uns 300 milhões de anos após o Big Bang, quem sabe menos.
Com isso, revelará se realmente param em pé nossos atuais modelos cosmológicos, que indicam como se deu a evolução do Universo desde o início, há 13,8 bilhões de anos, e preenchem as lacunas entre o que já observamos diretamente na radiação cósmica de fundo e nas observações do Hubble.
"Nós temos os filmes que mostram o que o computador acha que deve ter acontecido se essa história [o modelo cosmológico padrão] for a correta", diz Mather. "E agora queremos checá-la ao observar tudo que pudermos. Queremos ver aquelas primeiras galáxias crescendo."
"Redshift" O Hubble foi o primeiro grande telescópio espacial da história e se concentrou em observar principalmente em torno da luz que o olho humano consegue enxergar: o chamado espectro visível. O observatório também podia ver um pouco de ultravioleta, que tem comprimentos de onda mais curtos, e de infravermelho, com comprimentos de onda mais longos.
Isso explica por que tudo vai ficando invisível conforme o Hubble tenta enxergar mais longe. A luz que viaja por grandes distâncias cósmicas atravessa um espaço que está, ele mesmo, em expansão (é o que vem acontecendo desde o Big Bang, o próprio espaço está crescendo).
Quando uma onda de luz atravessa espaço em expansão, ela também é esticada, o que os astrônomos chamam de "redshift", ou "desvio para o vermelho". Na prática, quer dizer que a onda de luz que nasceu visível ou mesmo ultravioleta lá nos cafundós do cosmos, ao viajar até nós, foi se esticando, aumentando seu comprimento de onda e se avermelhando, até virar infravermelho.
Por essa razão, o Webb é, ao mesmo tempo, um sucessor do Hubble (com o objetivo de enxergar mais longe) e um telescópio inteiramente diferente (focado em luz que o Hubble nunca pôde enxergar): ele vai captar apenas luz infravermelha.
Isso quer dizer que, quando você vir alguma imagem dele publicada por aí, estará vendo uma "tradução" para luz visível de coisas que o olho humano não pode ver. E com isso vamos mergulhar mais fundo do que nunca no passado cósmico. Claro, se tudo der certo.
O lançamento é só o começo de uma longa jornada até um ponto a cerca de 1,5 milhão de km da Terra. Impulsionado por um foguete Ariane 5, cedido pela ESA, o Webb vai ao espaço todo dobrado sobre si mesmo. Até chegar a sua órbita final, um intricado processo de abertura e desdobramento vai se desenrolar para que o telescópio possa ser efetivamente usado.
Não é brincadeira. Os envolvidos já apelidaram o processo de "30 dias de terror", emulando os pousos em Marte, que envolvem os "7 minutos de terror", em que a espaçonave precisa cruzar com sucesso a atmosfera marciana, de forma totalmente automatizada. No caso do Webb, são mais de 300 elementos individuais que precisam funcionar direito, na hora certa, para que a missão tenha sucesso.
Apenas comparando as imagens do telescópio em sua configuração operacional e na versão dobrada, no interior da coifa do foguete, já dá para sacar algumas dessas etapas.
O escudo térmico -uma espécie de toldo dobrável com cinco camadas que vai sob o espelho principal e tem tamanho comparável a uma quadra de tênis- precisa se abrir corretamente, bem como dois segmentos laterais do espelho principal segmentado e a estrutura do espelho secundário.
Mas os detalhes tornam tudo ainda mais tenso. Exemplo: para separar as cinco camadas do escudo térmico, é preciso detonar 107 parafusos que os prendem na configuração de lançamento. Se um único desses parafusos falhar em disparar, o projeto está condenado.
É uma complexidade sem precedentes, no maior telescópio espacial já lançado pela humanidade. Compare o espelho principal de 6,58 metros do Webb ao do Hubble, com (agora) modestos 2,4 metros.
Os desafios tecnológicos escalam na mesma proporção. Com o drama adicional de que o Hubble foi projetado para orbitar a Terra a uns 550 km da superfície, onde podia ser visitado por astronautas nos antigos ônibus espaciais para reparos e atualizações. O Webb não terá esse luxo, instalado a 1,5 milhão de km dos mecânicos mais próximos. Nada pode dar errado.
Isso ajuda a explicar os enormes estouros no orçamento, acompanhados por seguidos atrasos. Quando o projeto começou, em 2003, esperava-se lançá-lo em 2014, a um custo de US$ 5 bilhões (R$ 28,4 bilhões na cotação atual). Desde então, a etiqueta de preço já subiu para mais de US$ 10 bilhões (R$ 56,8 bilhões). Quanto ao lançamento, agora vai.
Do Sistema Solar às profundezas Os atrasos acabaram ampliando a expectativa. Originalmente projetado para fazer esse mergulho profundo no passado do Universo, ele agora já se mostra muito mais versátil.
Com seus espectrógrafos, poderá sondar a atmosfera de exoplanetas de porte terrestre que estejam na zona habitável de estrelas próximas (o sistema Trappist-1, a 40 anos-luz, já está na fila das primeiras observações).
Não é inconcebível que descubra que esses mundos sejam mesmo habitáveis e, se tivermos muita sorte, até mesmo habitados (a vida, na Terra ao menos, tem o hábito de transformar radicalmente a atmosfera, o que em tese poderia ser identificado também nesses exoplanetas).
Em 2003, quando o projeto começou, ninguém conhecia planetas de porte terrestre na zona habitável de alguma estrela, que dirá projetar um telescópio para estudar suas atmosferas.
No fim das contas, é um telescópio de uso geral. A exemplo do Hubble, ele deve revolucionar todas as áreas da astronomia, do estudo de corpos do nosso Sistema Solar às profundezas mais distantes do cosmos. E, claro, as melhores descobertas serão aquelas que hoje não podemos sequer imaginar.
É uma missão de exploração, acima de tudo. Começa no dia do lançamento, passará por 30 dias de terror, até atingir um status operacional e então teremos seis meses de calibração e comissionamento dos instrumentos, antes que as primeiras observações científicas começam. Mas para quem esperou quase duas décadas, falta muito pouco agora.
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