Você consegue ficar em pé com uma perna só por dez segundos? Este simples teste de equilíbrio pode funcionar como um indicador de risco de morte em até dez anos para pessoas acima de 50 anos e deveria ser incluído em exames de rotina para idosos. A conclusão é de um estudo publicado no British Journal of Sports Medicine nesta terça (21) que contou com quatro pesquisadores brasileiros e outros da Finlândia, Estados Unidos, Reino Unido e Austrália.
A pesquisa analisou 1.702 pessoas com idades entre 51 e 75 anos entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2020. Elas participam de um estudo de coorte (Clinimex Exercise), criado em 1994 para avaliar associações entre várias medidas de aptidão física com problemas de saúde e morte.
Os resultados mostram que a incapacidade de ficar em uma perna por dez segundos, a partir dos 50 anos, está ligada a uma chance de 3,8 vezes de maior risco absoluto de morte (17,5% no grupo que não completou o teste e 4,6% no que completou). Quando ajustados para todas as variáveis clínicas, como sexo e índice de massa corporal, o risco passa para quase duas vezes (1,84).
"É um risco muito maior do que ter diagnóstico de doença coronariana, ser obeso, hipertenso ou ser dislipidêmico. Então, é prioridade que o médico avalie também essa capacidade [de ficar em uma perna só]", afirma o autor principal da pesquisa, o médico Claudio Gil Soares de Araújo, diretor de pesquisa e educação da Clinimex (Clínica de Medicina do Exercício).
Araújo afirma que na sua experiência clínica, com mais de 4.000 pacientes atendidos, a pessoa mais idosa a conseguir completar o teste de equilíbrio tinha 91 anos. Na outra ponta, o mais jovem que não conseguiu completar tinha 38 anos. "O equilíbrio e outros componentes da aptidão física, como aeróbico ou não aeróbico, precisam de treinamento, especialmente, quando começamos a perder, ou seja, na sexta década de vida".
O estudo é observacional e, como tal, não pode estabelecer uma relação de causa e efeito. Outra limitação é que informações sobre fatores que podem influir no equilíbrio, como histórico recente de quedas, níveis de atividade física, dieta, tabagismo e uso de medicamentos, não foram avaliadas no trabalho.
Segundo Araújo, uma das hipóteses que explicariam o maior risco de mortalidade é que pessoas com problemas de equilíbrio estão mais sujeitas às quedas. As fraturas por quedas são responsáveis por cerca de 70% das mortes acidentais em pessoas acima de 75 anos.
No Brasil, são mais de 600 mil fraturas de fêmur por ano, sendo 90% delas decorrentes das quedas. A OMS (Organização Mundial da Saúde) instituiu o dia 24 de junho, próxima sexta, como o Dia Mundial de Prevenção de Quedas.
Segundo o ortopedista Jorge dos Santos Silva, presidente da SBO (Sociedade Brasileira de Ortopedia), a pandemia de Covid-19 em todos os seus aspectos contribuiu para uma maior fragilização dos idosos, em especial aqueles com mais de 80 anos. "Idoso frágil tem maior probabilidade de cair e de se fraturar".
A geriatra Maísa Kairalla, coordenadora do ambulatório de transição de cuidados da Geriatria e Gerontologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que os consultórios estão lotados de idosos frágeis e que uma ferramenta mais simples, como o teste de equilíbrio proposto no estudo, pode ser de grande valia para os profissionais de saúde.
"Especialmente em tantos locais em que não há tempo para fazer uma avaliação melhor da força muscular e do equilíbrio. Ou até que possa ser feito por telemedicina. Se a pessoa já está ruim num teste simples, dá para inferir que ela não conseguirá fazer testes mais complexos e que merece uma atenção imediata", afirma.
Não existem dados no estudo publicado no BMJ que demonstrem que, melhorando a questão do equilíbrio, o risco de queda ou da mortalidade será mudado. "Mas a gente pode especular que sim. Só diminuindo o risco de queda já será um fator protetor e capaz de prolongar a sobrevida", afirma Claudio Araújo.
O objetivo do estudo foi demonstrar que um teste de equilíbrio simples e seguro pode ser um indicador confiável do risco de morte e, como tal, merece ser incluído em testes de rotina de idosos.
Ao todo, 1 em cada 5 (20%) dos participantes do estudo não passou no teste. A incapacidade de fazê-lo aumentou com a idade. As proporções daqueles incapazes de ficar em uma perna por dez segundos foram: quase 5% entre 51-55 anos; 8% entre 56-60 anos; 18% entre 61-65 anos; e 37% entre 66-70 anos.
Mais da metade (54%) das pessoas com idades entre 71 e 75 anos não conseguiu completar o teste. Em outras palavras, as pessoas nessa faixa etária tinham mais de 11 vezes mais chances de falhar no teste do que aquelas apenas 20 anos mais jovens. Durante um período médio de acompanhamento de sete anos, 123 (7%) pessoas morreram: câncer (32%); doenças cardiovasculares (30%); doença respiratória (9%); e complicações do Covid-19 (7%).
Mas não foram estabelecidas associações entre essas mortes e os resultados do teste de equilíbrio.
Em geral, aqueles que falharam no teste tinham uma saúde pior: uma proporção maior era obesa e/ou tinha doenças cardíacas, pressão alta e perfis de gordura no sangue não saudáveis. O diabetes tipo 2 foi três vezes mais prevalente no grupo que não conseguiu passar no teste: 38% contra 13%.
Segundo os pesquisadores, outra limitação do estudo é que, como os participantes eram todos brasileiros brancos, as descobertas podem não ser mais amplamente aplicáveis a outras etnias e nações. Um conselho do autor principal do estudo: os idosos precisam ter cautela caso decidam fazer o autoteste de equilíbrio. "Estar próximo a uma parede ou a uma mesa firme para poder se apoiar caso se desequilibre ou ter alguém por perto".
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta