O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, prorrogou em seis meses (180 dias) o prazo para a implantação do juiz das garantias, nova figura criada pelo Congresso no pacote anticrime e que estava prevista para entrar em vigor no próximo dia 23.
Com a decisão do ministro, desta quarta-feira (15), o juiz das garantias deverá entrar em vigor a partir de julho. O prazo da prorrogação começa a contar a partir da publicação da decisão. Tribunais que assim desejarem já podem começar a implementar medidas de adequação até o término do prazo definido.
Toffoli decidiu no âmbito de ações ajuizadas por entidades da magistratura e partidos políticos que questionam a constitucionalidade da lei que cria o juiz das garantias.
O ministro afirmou considerar a nova figura constitucional, rebatendo em sua decisão as alegações contrárias. A decisão é liminar (provisória) e o tema ainda deverá ser analisado no plenário do Supremo, o que não tem data para ocorrer.
"Mostra-se formalmente e materialmente legítima, sob a ótima constitucional, a opção do Congresso Nacional de, no exercício de sua liberdade, instituir no sistema processual brasileiro a figura do juiz das garantias. Trata-se de matéria de direito processual penal e, nos termos da Constituição, de domínio legislativo privativo da União", disse o ministro em entrevista concedida a jornalistas nesta tarde.
"O instituto não demanda necessariamente a criação de novos cargos, seja de servidores, seja de magistrados, e não incrementa o volume de trabalho. Trata-se de questão, portanto, que passa muito mais por gestão judiciária e menos por criação ou provimento de cargos. Na prática, trata-se de adequação da estrutura existente em todo o país", afirmou.
Pela nova lei, o juiz das garantias será responsável por acompanhar os inquéritos, analisando pedidos de quebra de sigilo e de prisão provisória, por exemplo, até o recebimento da denúncia. Esse juiz não poderá atuar na fase posterior, da ação penal.
Assim, os processos criminais ficarão sob a responsabilidade de dois juízes, um que vai supervisionar a investigação (o juiz das garantias) e outro que vai julgar o acusado (o juiz de instrução e julgamento). Defensores da criação da nova figura afirmam que ela ajudará a assegurar a imparcialidade das decisões do Judiciário.
Conforme a decisão do presidente do STF, o juiz das garantias não será aplicado a processos do Tribunal do Júri e relativos à Lei Maria da Penha, que têm ritos próprios, e a ações penais sob responsabilidade da Justiça Eleitoral.
A nova figura, ainda conforme a decisão de Toffoli, não será aplicada a processos originários (que se iniciam) nos TJs (tribunais de Justiça dos estados), TRFs (Tribunais Regionais Federais), STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF. Segundo Toffoli, esses tribunais já têm decisões colegiadas, tomadas por grupos de juízes, o que reforça sua imparcialidade.
Processos originários em tribunais são os que envolvem réus com foro especial por prerrogativa de função, como governadores no STJ e deputados no STF. Pela decisão, o juiz das garantias só funcionará nos processos que começam na primeira instância.
Por fim, Toffoli fixou critérios de transição para investigações e ações penais que já estão em andamento.
Nas ações penais já instauradas no momento em que o instituto estiver implementado, ou seja, as que já tiveram a denúncia recebida, o juiz responsável continuará à frente do caso, mesmo que tenha atuado na fase de investigação.
Nas investigações em curso no momento em que o instituto estiver efetivado, o juiz que assumirá o caso após o recebimento da denúncia será diferente do que supervisionou o inquérito.
Conforme essa regra, investigações em andamento hoje poderão ser afetadas, como, por exemplo, inquéritos da Lava Jato do Rio de Janeiro ou o caso do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.
Em tese, se o Ministério Público apresentar denúncia contra Flávio depois que o Tribunal de Justiça fluminense tiver implantado o juiz das garantias, a eventual ação penal será remetida a um novo juiz, saindo da alçada do atual, que autorizou a quebra de sigilo do senador e de ex-assessores. O senador é suspeito de desvios em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa, caso que envolve o ex-assessor Fabrício Queiroz.
Antes de divulgar a decisão liminar, Toffoli teve uma audiência com o ministro da Justiça, Sergio Moro, que tem demonstrado contrariedade com a instituição do juiz das garantias. A figura foi incluída pelo Congresso no pacote anticrime de iniciativa de Moro, e recebeu críticas do ex-juiz da Lava Jato.
Segundo Toffoli, Moro demonstrou preocupação, na audiência, com dois pontos da nova lei que acabaram sendo suspensos pelo presidente do Supremo na liminar. Um deles é o que diz que, nas comarcas com apenas um juiz, os tribunais devem criar um rodízio de juízes para implantar o juiz das garantias. "Ao assim dispor, entendo que se viola o poder de auto-organização dos tribunais e usurpa sua iniciativa para dispor sobre organização judiciária", considerou Toffoli.
O outro ponto suspenso é o que dispõe que -o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão-, que alterava o artigo 157 do Código de Processo Penal. "Trata-se de norma de competência que não fornece critérios claros e objetivos para sua aplicação, violando a segurança jurídica e o princípio da legalidade", afirmou o ministro.
Além de conversar com Moro, Toffoli disse que telefonou na manhã desta quarta para os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para informar sobre o teor da liminar que concederia.
Na esteira da decisão de Toffoli, um grupo de trabalho criado no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para estudar formas de regulamentar a implementação do juiz das garantias também teve seu prazo prorrogado. Inicialmente, o grupo previa apresentar suas propostas de regulamentação nesta quarta-feira, o que ficou para 29 de fevereiro.
O grupo de trabalho recebeu dezenas de sugestões de tribunais, magistrados, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), PGR (Procuradoria-Geral da República) e DPU (Defensoria Pública da União).
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