O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, votou nesta quarta-feira (20) por impor restrições ao compartilhamento de dados bancários e fiscais com o Ministério Público e a polícia sem autorização judicial prévia.
Toffoli é relator de um processo que discute se é constitucional o repasse de dados sigilosos de órgãos de controle --como a Receita e o antigo Coaf-- para fins de investigação penal. O julgamento foi suspenso às 18h15 e será retomado nesta quinta (21).
O presidente do Supremo buscou descolar o debate do caso do senador Flávio Bolsonaro (de saída do PSL-RJ). Flávio é investigado pelo Ministério Público do Rio sob suspeita de ter desviado parte dos salários de servidores de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa.
Conforme o voto do ministro nesta quarta, o Coaf, rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira), não pode fazer relatórios de inteligência financeira (RIFs) "por encomenda" do Ministério Público ou da polícia.
Já a Receita Federal pode continuar compartilhando suas representações fiscais para fins penais (RFFPs) com os procuradores, mas estes precisam passar a comunicar a Justiça sobre a abertura de procedimento investigatório tão logo recebam as informações.
O voto de Toffoli, que ocupou as sessões da manhã e da tarde desta quarta, não foi bem compreendido por seus pares. Eventuais dúvidas sobre situações práticas deverão ser esclarecidas nesta quinta.
O julgamento trata de recurso extraordinário que começou com um caso específico de um posto de gasolina, no interior de São Paulo, que teria sonegado impostos.
Como o processo tem repercussão geral, o caso --em que houve repasse de dados da Receita para o Ministério Público-- servirá para que o tribunal discuta a tese de modo genérico, com impacto em ações semelhantes pelo país.
No início da sessão, o procurador-geral Augusto Aras defendeu o sistema vigente de repasse de informações para o Ministério Público e afirmou que o método é o mesmo adotado em 184 países.
"O Brasil necessita respeitar esse sistema. É a credibilidade do sistema financeiro, é um momento crucial para o crescimento econômico que mantenhamos a estrutura [vigente] para a segurança jurídica dessas relações econômicas tão relevantes", disse.
Toffoli dedicou uma parte de seu voto à UIF e outra à Receita. O ministro demonstrou que uma de suas preocupações é com a possibilidade de que procuradores escolham pessoas para investigar e, a partir de requerimentos feitos à UIF, obtenham dados financeiros sigilosos dos alvos.
O ministro propôs parâmetros para a atuação da UIF --a maioria deles já adotada, segundo informações oficiais prestadas pelo órgão ao STF.
De acordo com Toffoli, em primeiro lugar, a UIF não tem poder de requerer a bancos os dados de determinada pessoa --só pode receber, de forma espontânea, informações de movimentações que os bancos considerarem suspeitas.
Em segundo lugar, a UIF não pode repassar ao Ministério Público extratos bancários junto com os RIFs, pois isso representaria quebra de sigilo, que precisaria de aval judicial. O repasse tem de ser feito exclusivamente pelo sistema eletrônico oficial, estando proibido o uso de email e outras formas de comunicação.
Em terceiro lugar, a UIF, sendo uma unidade autônoma e independente, não é obrigada a atender às solicitações de informação do Ministério Público e da polícia. Membros do Ministério Público e policiais, por sua vez, só podem solicitar relatórios à UIF se já tiver havido um alerta anterior ou houver uma investigação criminal em curso sobre o alvo.
"Enfatizo a absoluta e intransponível impossibilidade de geração de RIFs por encomenda. Não se pode ter [...] RIFs por encomenda contra cidadãos sem qualquer investigação criminal existente ou alerta já emitido de ofício [sem provocação de terceiros] pela unidade de inteligência", afirmou Toffoli.
Se prevalecer o entendimento do ministro, é possível que a investigação sobre Flávio Bolsonaro venha a ser anulada quando analisada pela Justiça.
A investigação partiu de relatório do antigo Coaf que identificou movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão nas contas do ex-assessor Fabrício Queiroz. Após receber o relatório sobre ele, o Ministério Público do Rio pediu ao Coaf informações sobre Flávio.
A defesa do senador afirmou, em reclamação ao Supremo, que os promotores fluminenses requisitaram relatórios sobre ele por email, e o antigo Coaf atendeu.
O inquérito foi paralisado após decisão de Toffoli, de julho, que suspendeu todas as apurações e ações penais do país que usaram dados detalhados de órgãos de controle. Na ocasião, Toffoli atendeu a um pedido da defesa de Flávio.
Segundo levantamento da Procuradora-Geral da República, a decisão de Toffoli de julho resultou na paralisação de ao menos 935 investigações e ações penais no país, além do inquérito sobre Flávio.
Com relação à atuação da Receita, o presidente do STF votou por considerar constitucional o repasse das representações fiscais para o Ministério Público, desde que apresentem dados globais, sem documentos como extrato bancário e a íntegra da declaração de Impostos de Renda.
"Entendo que o Ministério Público Federal, ao receber a representação fiscal para fins penais, deve instaurar procedimento investigativo criminal de imediato e necessariamente comunicar ao juízo competente que recebeu essa representação fiscal para termos essa supervisão judicial", afirmou o ministro.
Segundo dados que Toffoli obteve com a UIF, nos últimos três anos a unidade repassou de forma espontânea ao Ministério Público Federal 1.607 RIFs e fez outros 1.165 "por requerimento" de procuradores.
A partir desses números, o ministro buscou justificar uma decisão polêmica de 25 de outubro, revelada pela Folha de S.Paulo na semana passada, que determinou à UIF que lhe enviasse cópias de todos os relatórios financeiros produzidos nos últimos três anos --documentos que citavam dados sigilosos de 600 mil pessoas físicas e jurídicas.
Em vez de enviar cópias, a UIF deu ao ministro uma espécie de senha de acesso ao seu sistema eletrônico.
Sob críticas de procuradores, que viram uma "devassa" nessa determinação, Toffoli a revogou, afirmando não ter acessado o sistema da UIF para consultar os dados sigilosos --que incluíam vários políticos e autoridades com prerrogativa de foro por função.
Com informações da Folha de São Paulo
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