Apesar de a modalidade ter sido recomendada pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, as instituições dizem não ter condições de ofertar atividades com a mesma qualidade do ensino presencial e garantir que todos os estudantes tenham acesso ao conteúdo.
Dirigentes e professores afirmam que a orientação para o ensino a distância mostra desconhecimento da realidade da estrutura e da composição do corpo estudantil das universidades. Levantamento feito pela reportagem mostra que 60% das instituições da rede federal preferiram suspender o calendário acadêmico enquanto durar o isolamento da pandemia.
Uma das principais instituições do país, a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) optou por suspender temporariamente as atividades acadêmicas, por não ter condições de garantir acesso a atividades a distância a todos os alunos.
"Conhecemos nosso corpo de alunos, sabemos que muitos não teriam condições de acompanhar as aulas. Eu não posso garantir aula só para uma parte para não comprometer o calendário letivo. Isso é secundário nesse momento", disse Claudia Morgado, diretora da Escola Politécnica da universidade.
Ela lembra que a maioria dos alunos da UFRJ, assim como o das demais federais, vem de famílias de baixa renda. O último levantamento feito pela Andifes (associação de reitores das universidades federais), em 2018, apontou que 70,2% dos estudantes da rede federal são de famílias com renda mensal per capita de até 1,5 salário mínimo.
A dificuldade de acesso dos alunos a recursos tecnológicos também foi apontado como uma das principais justificativas para a recusa do ensino a distância na UFPE (federal de Pernambuco). Em nota, a reitoria disse que exigir acompanhamento das aulas durante a quarentena poderia colocar os alunos em um risco desnecessário. ?[àqueles] que não disponham de estrutura e conexão restaria buscar apoio junto a familiares e colegas ou mesmo se dirigir a uma lan house, o que violaria as regras de isolamento?.
A pró-reitoria de graduação da UFMG também destacou, ao rejeitar as atividades a distância, que boa parte dos estudantes dependem dos computadores e internet disponíveis no campus para os trabalhos acadêmicos, o que também iria na contramão do isolamento.
"É uma proposta de substituição muito frágil e irresponsável diante da estrutura e das condições que as universidades enfrentam. O problema mais grave é a falta de acesso dos alunos, mas há ainda outras questões, como a falta de equipamentos para os professores, de plataformas e licença de programas para atividades em uma escala tão grande", disse Antonio Gonçalves Filho, presidente da Andes (associação de docentes das federais) e professor do curso de Medicina na UFMA (Universidade federal do Maranhão).
Muitas das universidades que rejeitaram substituir as aulas presenciais pela modalidade a distância têm algum curso ou disciplinas ministradas de forma remota. No entanto, elas defendem que a experiência não garante que o modelo possa ser replicado de forma emergencial e sem preparação. É o caso da UFF (federal Fluminense), que tem 60 disciplinas EAD na graduação ?menos de 1% de todas as ofertadas neste semestre.
"Para a efetiva operacionalização e contribuição para o sucesso acadêmico dos estudantes, a oferta de conteúdos EAD requer planejamento, organização, parque tecnológico capaz de atender toda a demanda e capacitação uniforme dos docentes", afirmou a universidade em nota.
A recomendação pelas aulas a distância foi feita pelo Ministério da Educação (MEC) em 18 de março, quando foi publicada uma portaria liberando a modalidade em caráter excepcional para substituir as disciplinas presenciais. A medida atendeu uma demanda dos donos de faculdades privadas, que cobravam um dispositivo que deixasse suas instituições mais seguras de poder descontar essas atividades remotas dos 200 dias letivos exigidos por lei.
Questionado sobre a situação das universidades federais, o MEC disse ter disponibilizado recursos tecnológicos para ampliar a capacidade de webconferências, oferecendo 15 salas de reuniões simultâneas na internet por instituição. Segundo a pasta, a medida beneficia 123 mil alunos e professores - o que beneficiaria menos de 10% da comunidade acadêmica, já que a rede pública federal tem, apenas na graduação, 1,3 milhão de estudantes.
O ministério não respondeu se estuda ações para garantir o acesso dos estudantes a recursos tecnológicos. Na portaria que flexibiliza a modalidade a distância, no entanto, diz que a disponibilização desses equipamentos é de responsabilidade das instituições de ensino - o que, segundo os dirigentes, pode levar a questionamentos jurídicos futuros de alunos que se sentirem prejudicados, inclusive nas faculdades particulares.
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