Tribunais de Justiça do país têm derrubado ou modificado liminares que obrigam municípios e estados a realizarem cirurgias eletivas na pandemia de Covid-19, sob argumento de que o SUS enfrenta sobrecarga de pacientes e que há risco de contaminação em ambiente hospitalar.
Ao mesmo tempo, na rede privada, esses procedimentos, que respondem por 85% dos atendimentos, já foram retomados há duas semanas com o aval da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), após hospitais e sociedades médicas garantirem ter condições e segurança para a oferta dos serviços. Entre abril e maio, o movimento nos hospitais privados teve queda de até 90%.
Em maio, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou resolução recomendando aos juízes que, no julgamento de ações que versam sobre o direito à saúde, priorizem a concentração de recursos financeiros e humanos no controle da pandemia e que respeitem os arranjos locais de suspensão de cirurgias eletivas.
O texto sugere que os magistrados tenham maior deferência aos gestores públicos e evitem intimações pessoais dirigidas a eles, imposição de multas processuais e que estendam, sempre que possível, prazos para o cumprimento de ordens judiciais voltadas à compra de remédios e procedimentos não essenciais.
Segundo a juíza federal Candice Lavocat Galvão Jobim, conselheira do CNJ, os tribunais têm considerado a urgência do momento e as recomendações do conselho, mas, diante de um caso concreto, os juízes têm autonomia na decisão.
De 17 liminares concedidas por juízes paulistas determinando que gestores estaduais e municipais realizassem procedimentos eletivos na pandemia, só uma foi mantida pelo TJ-SP, que argumentou risco de morte de paciente que precisava de transplante de fígado.
Em outros três casos, as decisões foram reformuladas. "[As decisões] foram, sim, você [usuário] tem razão, mas espera um pouco", diz o advogado Daniel Wang, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que analisou os casos a pedido da reportagem.
Nos 13 casos restantes, referentes a pedidos de cirurgias de quadril, de joelho, de coluna e de retirada de cistos, entre outras, as liminares foram derrubadas. Uma delas obrigava a Prefeitura de Jundiaí (SP) a realizar cirurgia de joelho em paciente de 67 anos.
O município argumentou que, além de cirurgias eletivas estarem suspensas desde 18 de março, o paciente era do grupo de risco do vírus e estaria mais exposto se o procedimento fosse feito. O TJ-SP acolheu o argumento. "Nesse cenário de calamidade pública, e considerando os esforços que as autoridades públicas vêm adotando para minimizar os impactos do coronavírus, não há como acolher o pedido do autor", disse o relator, desembargador Marcelo Semer.
Segundo Wang, muitas dessas decisões do TJ-SP são baseadas em norma anterior da ANS que recomendava a suspensão das cirurgias eletivas na pandemia. "Não tem peso legal, mas foi um indicador de como estava se comportando o setor naquele momento", diz.
No Espírito Santo, o TJ derrubou oito liminares que autorizavam consultas e cirurgias eletivas. Também há muitas decisões de primeira instância nesse sentido.
Na Paraíba, após negar pedido de liminar que determinava cirurgia para tratar ruptura de ligamento de joelho, a juíza Silvanna Cavalcanti escreveu que o sistema de saúde corre risco de colapso é preciso que o Judiciário exerça um "redobrado juízo de autocontenção".
Em Pernambuco, entre março e início de junho foram concedidas 49 liminares obrigando o estado a realizar cirurgias eletivas. Mas, segundo a procuradora Cristina Câmara, coordenadora do núcleo de saúde, houve postura do Judiciário de não interferência nas medidas legais adotadas para o combate da pandemia.
Em 10 de junho, os atendimentos não urgentes foram retomados em Pernambuco.
Para o procurador Fernando Alcântara Castelo, chefe da Procuradoria de Saúde do Paraná, o TJ tem sido compreensivo tanto em decisões judiciais mais recentes quanto em relação àquelas anteriores à pandemia, ainda não cumpridas pelos gestores públicos. "Se não há como reformar a decisão liminar, a gente consegue suspender o cumprimento por algum tempo."
Até março, das 600 a 800 ações judiciais mensais, 10% eram procedimentos eletivos. A partir de abril, houve queda de 40% nessas demandas.
Segundo Castelo, ao menos 20 das ações judiciais pediam que parturientes tivessem acompanhantes na internação, situação vetada pelos hospitais públicos. A proibição foi mantida na maioria das decisões. Duas liminares foram favoráveis à gestante.
Na sexta (19), a ocupação dos leitos do SUS no PR estava em 85%. Não há previsão retomar procedimentos eletivos
Jurandir Frutuoso, secretário-executivo do Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde), diz que houve arrefecimento da pressão judicial que existia sobre os gestores para procedimento no SUS.
Candice Jobim diz que a volta dos procedimentos eletivos demandará cautela para o SUS não entrar em colapso, já que, antes da pandemia, ele não dava conta de todas as demandas. Segundo ela, o CNJ elabora plano nacional com gestores de saúde para mitigar isso.
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