SÃO PAULO - O Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES) criou um pagamento extra para conselheiros e procuradores de contas – equivalente a cerca de 30% de seus salários – e colocou os processos administrativos para a concessão desses penduricalhos sob sigilo.
Em decisão do fim de janeiro, o órgão, que tem a função de fiscalizar as contas públicas do estado, determinou que seus membros têm direito a uma indenização equivalente a dez dias de trabalho por "acúmulo de acervo".
A expressão significa lidar com um volume excessivo de processos. O trabalho extra é recompensado com folgas, convertidas em dinheiro – podendo ultrapassar os R$ 10 mil.
Segundo a resolução que criou o benefício, o novo pagamento teve como base um penduricalho idêntico criado no ano passado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo e outro estabelecido em 2023 no Ministério Público do Espírito Santo (MPES).
A Folha também questionou quais foram os parâmetros usados para determinar que o critério para a concessão do penduricalho fosse a queda no número de processos em relação aos anos anteriores. A assessoria de imprensa do órgão não respondeu.
Para A Gazeta, o TCE informou em nota que "regulamentou o acúmulo de acervo em razão do princípio constitucional e legal de conceder aos seus membros remuneração, vantagens, e deveres, iguais aos dos membros da magistratura nacional e do ministério público brasileiro". (Confira o esclarecimento na íntegra ao final da reportagem)
O critério que os conselheiros de contas estabeleceram para caracterizar o acúmulo de acervo foi verificar se o total de processos recebidos no ano foi igual ou superior a 50% da média dos três anos anteriores.
Dessa forma, na prática, só não teria direito ao benefício o conselheiro que tivesse de lidar, neste ano, com menos da metade do número de processos que teve nos três últimos anos.
O TCE-ES tem sete conselheiros de contas, três conselheiros substitutos e três procuradores de contas, com salários brutos que variam de R$ 36 mil a R$ 42 mil.
No mês passado, o presidente do órgão, Domingos Augusto Taufner, recebeu pagamento de R$ 92,8 mil. Em todos os contracheques dos últimos 12 meses ele recebeu vencimentos superiores ao teto do funcionalismo público, que atualmente é R$ 46,3 mil.
Para ter acesso ao novo benefício, cada conselheiro teve de abrir um processo administrativo interno no TCE-ES. O órgão decidiu manter esses procedimentos sob sigilo. A reportagem da Folha perguntou o que motivou a decisão de não tornar públicos esses processos, mas não obteve resposta. Mas, para A Gazeta, o tribunal disse que as solicitações tramitam em segredo por incluírem dados pessoais.
Tribunais de Justiça de todo o país vêm pagando supersalários a seus membros diante de entendimentos do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal) de que verbas consideradas indenizatórias não entram no cálculo do teto do funcionalismo brasileiro.
Ministérios Públicos estaduais e Defensorias Públicas têm usado essas decisões como referência para também conceder esses benefícios a seus membros, por vezes por intermédio de associações que fazem lobby para essas categorias.
Os Tribunais de Contas são ligados ao Poder Legislativo, mas os conselheiros têm seguido a prática das carreiras jurídicas. Segundo levantamento da ONG Fiquem Sabendo, especializada em transparência de dados públicos, entre os 27 Tribunais de Contas dos estados e do Distrito Federal, 13 pagaram supersalários a seus membros em 2024.
No entanto, segundo a entidade, os 14 restantes não divulgam os pagamentos a seus integrantes. Com isso, para o levantamento, não foi possível saber quanto esses conselheiros realmente receberam, mesmo com a Lei de Acesso à Informação em vigor.
O TCE-ES esclarece que regulamentou o acúmulo de acervo em razão do princípio constitucional e legal de conceder aos seus membros remuneração, vantagens, e deveres, iguais aos dos membros da magistratura nacional e do ministério público brasileiro.
Os pagamentos decorrentes do acervo estão divulgados no Portal da Transparência, como ocorre em todo e qualquer pagamento realizado pela Corte.
As solicitações para recebimento da verba tramitaram em sigilo por estarem relacionados a recursos humanos e incluírem dados pessoais - comum a todos os processos dessa natureza.
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