SÃO PAULO - O teor e a gravidade das condutas de Jair Bolsonaro (PL), além da inclusão de provas no processo, estão entre as controvérsias que serão analisadas pelos ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nesta quinta-feira (29), no terceiro dia do julgamento que pode deixar o ex-presidente inelegível por oito anos.
O elemento principal da ação, que foi apresentada pelo PDT, é a reunião realizada por Bolsonaro em julho de 2022 com dezenas de embaixadores. Na ocasião, a menos de três meses do primeiro turno, o então presidente repetiu mentiras sobre o processo eleitoral e buscou desacreditar ministros do TSE.
Entre as perguntas a serem julgadas pelos ministros estão se o ex-presidente disseminou desinformação sobre o processo eleitoral no encontro e se a reunião teve finalidade eleitoral. A defesa sustenta que o evento foi um ato de governo e parte de "diálogo institucional público".
Dos sete ministros, o relator da ação, Benedito Gonçalves, foi o único que já se manifestou, defendendo a inelegibilidade de Bolsonaro ao votar na última terça-feira (27)
De acordo com a atual legislação, caso condenado, o ex-presidente estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos, ficando afastado portanto de três eleições até lá (sendo uma delas a nacional de 2026).
O julgamento analisa uma Aije (ação de investigação judicial eleitoral), instrumento que tem como objetivo apurar condutas que possam afetar a igualdade de disputa na eleição, como abuso de autoridade ou uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de um candidato.
Além de ter sido transmitido pela TV Brasil, o evento realizado no Palácio da Alvorada foi divulgado pelas redes sociais de Bolsonaro. Na ocasião, a Secretaria de Comunicação do governo barrou a imprensa, permitindo apenas a participação dos veículos que se comprometessem a transmitir o evento ao vivo.
"Se ele tivesse usando todo aquele aparato [estatal] para divulgar, por exemplo, uma ação do governo dele, uma política pública, não haveria nenhum abuso", diz Anna Paula Mendes, professora de direito eleitoral do IDP e coordenadora acadêmica da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
Caso concordem que o encontro teve finalidade eleitoral e que Bolsonaro disseminou informações falsas e distorcidas, os ministros devem se manifestar quanto à gravidade da conduta, elemento necessário para condenação pelos ilícitos eleitorais dos quais Bolsonaro está sendo acusado.
Segundo Anna Paula, a questão da gravidade será um ponto central do julgamento, com possibilidade de discussão sobre se fica configurada a gravidade de Bolsonaro tanto de vista da reprovabilidade da conduta (qualitativo) quanto de seu alcance (quantitativo).
Isso porque, caso entendam, por exemplo, que o aspecto quantitativo não está comprovado, eles podem ter entendimentos diferentes sobre a possibilidade de condenação.
Nesta quinta, votarão os ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares e, por fim, os membros do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
Para a advogada Juliana Freitas, membro-fundadora da Abradep, o tom adotado no voto do relator, de proteção do TSE e fortalecimento das instituições, coloca os ministros que não queiram acompanhá-lo em uma situação delicada, tendo em vista o trabalho do tribunal de enfrentamento à desinformação.
Antes de analisar a reunião em si, o cenário mais provável é que os ministros se pronunciem sobre questões processuais levantadas pela defesa em seus votos, como a inclusão da minuta golpista de decreto de estado de defesa no processo.
O argumento é o de que o documento, que foi encontrado em janeiro na casa de Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro, teria ampliado o objeto inicial da ação, que foi apresentada em agosto do ano passado com foco na reunião com embaixadores.
Em seu voto, Benedito considerou que, porque já houve decisão do plenário do TSE a respeito deste ponto ao longo da tramitação, ele não poderia nem sequer ser novamente decidido neste momento. É possível que algum dos ministros divirja do relator, voltando a analisar a questão.
O relator refutou ainda o argumento de que a inclusão dessa prova estaria em contradição com precedente da corte no julgamento da chapa Dilma-Temer em 2017.
O advogado especialista em direito eleitoral Alberto Rollo aponta que três dos ministros do TSE— Azevedo Marques, Ramos Tavares e Kassio Nunes Marques — não participaram da decisão sobre a minuta no processo e, por conta disso, avalia que eles podem fazer algum tipo de ressalva.
Além da questão sobre a manutenção ou não da minuta, outro aspecto a ser observado é como ela será empregada na argumentação dos ministros. No voto do relator, ela é apontada como um exemplo de desdobramento do discurso contra o sistema eleitoral.
Em caso de condenação, a inclusão da minuta deve ser usada pela defesa em recurso ao STF.
Para Acácio Miranda, especialista em direito eleitoral e doutor em direito constitucional, é pouco provável a tese de cerceamento de defesa seja aceita, porque só a reunião em si seria uma prova suficiente para gerar a inelegibilidade.
Também deve ser analisado pelos ministros o questionamento da defesa quanto às provas incluídas de ofício (sem pedido das partes) pelo relator, como transcrições de lives e entrevista do ex-presidente à rádio Jovem Pan em 2021. Neste caso, não há decisão anterior do plenário do TSE.
Em seu voto, Benedito reafirmou que as diligências complementares determinadas por ele "são expressamente previstas no procedimento da Aije e foram criteriosamente fundamentadas". Para os advogados de defesa, a atuação ultrapassou o que é permitido na lei eleitoral e estaria sendo empregada para "suprir atuação deficiente" do autor da ação.
Já a determinação de Benedito, em seu voto, de que a decisão seja encaminhada para outras esferas da Justiça, como a inquéritos em curso no STF, não deve gerar divergências.
Para Juliana Freitas o importante é que essa transmissão seja feita respeitando o direito à ampla defesa. "Não se pode presumir que, porque houve uma condenação em uma determinada instância e em determinado processo, que outras condenações necessariamente acontecerão", diz.
CONDUTAS ILÍCITAS
A Aije (ação de investigação judicial eleitoral) pretende apurar condutas que possam afetar a igualdade de disputa na eleição. Os ministros terão que analisar se a partir da realização da reunião com embaixadores e de sua divulgação ficou configurado abuso de autoridade e uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de um candidato
FINALIDADE ELEITORAL E ABUSO DE PODER
Os ministros deverão decidir se o evento com embaixadores, que teve uso de aparato estatal e transmissão pela TV Brasil, teve finalidade eleitoral. Ao apresentar a ação, o PDT argumentou haver desvio de finalidade na reunião, que deveria ser ato de governo, dado que o ataque à Justiça Eleitoral e ao sistema eletrônico de votação seriam parte da estratégia de campanha eleitoral de Bolsonaro. A defesa sustenta que sua atuação ali seria como chefe de Estado e que o público-alvo do evento não era composto por eleitores, mas pessoas sem cidadania brasileira
DESINFORMAÇÃO
Deverá também ser alvo de análise pelos ministros se o teor do discurso de Bolsonaro era desinformativo com fatos sabidamente falsos ou gravemente descontextualizados sobre o processo eleitoral. Em linhas gerais, segundo precedente do TSE, a disseminação de desinformação por redes sociais pode caracterizar uso indevido de meios de comunicação social. A defesa de Bolsonaro alega que o então presidente estaria promovendo diálogo institucional com objetivo de "contrapor ideias e dissipar dúvidas sobre a transparência do processo eleitoral"
GRAVIDADE
Um dos elementos necessários para a condenação pelos ilícitos eleitorais dos quais Bolsonaro está sendo acusado é a gravidade. Existem dois aspectos de gravidade que podem ser considerados: o qualitativo, que se refere a reprovabilidade da conduta, e o quantitativo, que trata do alcance e repercussão da conduta sobre a eleição
MINUTA GOLPISTA
A controvérsia sobre a inclusão da minuta de decreto de estado de defesa entre as provas está na divergência quanto a se ela estaria ampliando o objeto da ação apresentada pelo PDT em agosto. O relator da ação, em seu voto, disse que a inclusão da prova não contrariou orientação traçada pela corte em 2017, no julgamento da chapa Dilma Temer, como alega a defesa
PROVAS ADICIONADAS PELO RELATOR
A defesa de Bolsonaro considera que a atuação do relator ultrapassou os limites do que prevê a legislação eleitoral ao determinar de ofício (sem pedido das partes) a inclusão de uma série de provas na ação, como lives de 2021 e documentos de outras investigações. Os ministros deverão avaliar se as medidas foram tomadas dentro dos limites do que prevê a lei, que dá poderes mais amplos ao juiz, possibilitando atuação mais proativa
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