Universidades do Brasil têm remanejado verbas e pessoal para responder à pandemia de Covid-19, produzindo pesquisa e, principalmente, os escassos testes diagnósticos. Mas, diante da falta de recursos, pedem doações de insumos, equipamentos de proteção e até dinheiro para a construção de leitos em seus hospitais-escolas.
As instituições estão usando o tempo de dedicação dos docentes e de alunos de pós-graduação e iniciação científica para tentar desafogar os laboratórios públicos na realização de kits diagnósticos do tipo RT-PCR, capazes de identificar o vírus a partir de amostras biológicas, como esfregaços do nariz e da garganta.
Na USP, a estimativa é que usando a capacidade de três laboratórios e do Hospital Universitário seja possível realizar até 10 mil testes por mês, a um custo entre R$ 50 e R$ 70 cada um -menos da metade do valor de custo cobrado por laboratórios privados. Isso aliviaria a demanda do Instituto Adolfo Lutz, laboratório de referência em São Paulo.
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O principal gargalo devem ser os reagentes necessários para a análise. "A demanda está muito alta. Estamos comprando, mas as empresas estão sem estoque para entregar", diz Edison Durigon, virologista e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Pesquisadores da UFRGS tentam contornar a falta de reagentes com fornecedores alternativos, conta o professor Guido Lenz, cuja linha de pesquisa tem mais a ver com câncer e sobrevivência tumoral, mas que tem dedicado a maior parte de seu tempo a questões ligadas ao novo coronavírus.
Na Unicamp, o professor José Luiz Módena começou a cultivar o coronavírus há algumas semanas. "A gente está praticamente dormindo no laboratório para produzir insumo e testar o que tem que ser testado, sejam antivirais ou testes diagnósticos. Tudo começa com a manipulação do vírus", conta. O problema também é a escassez de reagentes.
Seus colegas do Instituto de Biologia tiveram a ideia de usar os recursos dos laboratórios para tentar aumentar a demanda de testes para Campinas e região. Já são cerca de 300 os interessados em ajudar, entre eles alunos e funcionários da universidade.
A ideia é auxiliar o Hospital de Clínicas a atender a Campinas e região. A ação foi encampada pela reitoria da Unicamp, conta Marcelo Mori, que estuda a biologia do envelhecimento mas que hoje diz só pensar em coronavírus.
"A demanda por diagnóstico é evidente. A gente tem essa capacidade montada, mas depende de bala [os reagentes] para colocar no canhão. Não é só dinheiro. Quem vai fazer a bala? São os caras do outro lado da fronteira, que também estão em guerra. Isso [que está acontecendo] mostra como é importante montar uma estrutura de pesquisa que seja sustentável", diz Mori.
Na Unicamp há diversas frentes de trabalho, como a de pesquisas de antivirais em parceria com o Laboratório Nacional de Biociências, do Cnpem (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) a de divulgação científica e a de arrecadação de doações.
Na UFRJ, pesquisadores também estão realizando testes, cerca de cem por dia, para atender a comunidade interna. É uma ação importante, conta a professora Cláudia Russo, uma das responsáveis pela resposta da universidade à crise, já que os acadêmicos e profissionais de saúde têm de ser testados periodicamente para garantir a segurança dos colegas e também dos pacientes. A pesquisa acadêmica é uma atividade considerada essencial durante a pandemia.
Os voluntários não estudavam o novo coronavírus, mas têm experiência com HIV, influenza e herpes, por exemplo. "Eles sabem usar máscaras, conhecem os protocolos", conta a cientista. Ter pessoas especializadas também é um ponto chave para a realização de testes, afirma a professora.
"Às vezes é só nesses casos em que as pessoas dão importância à ciência. Se houvesse alguém trabalhando há dez anos com coronavírus, isso seria de valor inestimável hoje em dia. Daí a importância de se apoiar a pesquisa", diz Russo, trabalha com filogenia molecular, ou seja, a classificação de espécies por meio de análise do material genético.
Ela diz que se envolveu com a iniciativa para organizar as doações (como frascos de álcool 70° ou 92,5° e borrifadores) recebidas diariamente, das 9h às 12h, no prédio do Centro de Ciências da Saúde, em frente ao Hospital Universitário. Outras doações, em dinheiro, também são aceitas.
O Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo, também está em busca de doações e de voluntários.
A professora de pneumologia Jaquelina Ota conta que os voluntários são essenciais, já que boa parte dos especialistas da instituição têm de ficar em casa, por serem do grupo de risco (ou têm mais de 60 anos ou apresentam doenças crônicas).
Ela diz que há força de trabalho para começar a atender no pico da epidemia, aguardado para as próximas semanas, mas que faltam pessoas para repor quem eventualmente ficar fora de combate.
"Temos que encarar essa causa como humanitária, como valorização do SUS", diz. "É uma competição inglória: no setor privado também precisam de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, e pagam até três vezes o que nós podemos pagar", afirma Ota.
Ao menos na área mais propriamente científica, parte dos esforços dos pesquisadores e das universidades será bancada também pelo MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), que anunciou na última semana o investimento de R$ 100 milhões em pesquisas ligadas ao novo coronavírus.
Entre as prioridades estão a busca por vacinas e por novos tratamentos e o conhecimento sobre a biologia do vírus --como o mapeamento das mutações em seu material genético. Outro apoio dado aos cientistas é que agora o envio de amostras e reagentes tem sido feito pelos Correios, que coletam o material e o entregam sem custo.
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