Uma vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está pronta para começar a ser testada em humanos: a SpiN-TEC, primeira vacina totalmente desenvolvida e produzida no Brasil.
O artigo Promotion of neutralizing antibody-independent immunity to wild-type and SARS-CoV-2 variants of concern using an RBD-Nucleocapsid fusion protein, que acaba de ser publicado na Nature Communications, mostra que os trabalhos para o desenvolvimento da vacina avançaram. No artigo, os pesquisadores provam que a SpiN-TEC induz uma resposta robusta dos linfócitos-T contra as variantes, inclusive em relação à Ômicron.
"Os testes da Covid-19 grave e moderada já foram feitos em camundongos e hamsters. Nos testes com os camundongos, confirmou-se proteção para carga viral e para patologia pulmonar", conta a pesquisadora Natália Salazar.
Como os testes em animais já foram realizados, a próxima etapa visa os testes em humanos. A vacina da UFMG já foi aprovada pelo Conselho de Ética de Experimentação Humana da própria Universidade e pelo sistema CEP/Conep, formado pela Conep (instância máxima de avaliação ética em protocolos de pesquisa com seres humanos) e pelo CEP (Comitê de Ética em Pesquisa). A aprovação por todas essas instâncias possibilitará que esses testes sejam iniciados.
Algumas pessoas podem se perguntar qual a necessidade de desenvolver uma vacina para a Covid-19, visto que já existem imunizantes para a doença. O professor Ricardo Gazzinelli, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB e pesquisador do CTVacinas, explica que o problema da vacina contra o Sars-CoV-2 não está resolvido. Segundo ele, os produtos atualmente disponíveis precisam ser melhorados em diversos aspectos, como custos, estabilidade e eficácia.
"Já existem trabalhos mostrando que a resposta das vacinas atuais contra a variante ômicron é pouco efetiva, daí a importância de desenvolvermos novas soluções que ataquem esta e outras variantes. Além disso, a SpiN-TEC tem custo baixo e alta estabilidade. As vacinas que usam RNA precisam ser congeladas a baixas temperaturas, o que dificulta o seu transporte. O imunizante da UFMG pode ser mantido em temperatura ambiente, o que facilita a distribuição para lugares longínquos", explica.
O pesquisador acrescenta que o método de produção diferenciado faz com que a SpiN-TEC seja mais efetiva contra mais variantes, como a Ômicron.
"As vacinas de Covid-19 em uso geram respostas de anticorpos neutralizantes. Já a SpiN-TEC foi desenvolvida para induzir uma resposta dos linfócitos-T, ou seja, ela gera uma resposta contra várias partes da molécula do vírus, e não apenas contra um de seus segmentos, como ocorre com as vacinas atuais."
Segundo os pesquisadores, a SpiN-TEC poderá ser a primeira vacina humana 100% desenvolvida e produzida no Brasil, o que põe o país em posição de destaque nas pesquisas sobre imunizantes no cenário internacional, além de deixar um legado para o desenvolvimento de imunizantes para outras doenças. Isso ocorre porque as tecnologias desenvolvidas durante os trabalhos com a SpiN-TEC podem ser adaptadas para vacinas que combatem outros patógenos.
"O Brasil nunca teve uma vacina humana totalmente desenvolvida aqui, para nenhuma doença. Então um imunizante nacional terá um custo mais barato para o país, além de provar a nossa capacitação tecnológica. As vacinas existentes precisam evoluir e melhorar, mas é importante que a tecnologia aprendida também gere frutos para a prevenção de outras doenças. Nosso projeto traz um legado ao proporcionar uma transição do conhecimento produzido na universidade até a sociedade, da prova conceito até o ensaio clínico", diz Gazzinelli.
A pesquisadora do CTVacinas Natália Salazar explica que a SpiN-TEC é feita com a proteína recombinante (quimera) aliada a um adjuvante, espécie de insumo que potencializa a resposta imune do corpo humano ao antígeno.
A pesquisa que deu origem ao desenvolvimento da vacina baseou-se na modificação genética da bactéria E.coli, que recebeu pedaços do genoma do Sars-Cov-2 para que fosse possível produzir uma proteína que juntasse as proteínas S e N do coronavírus – daí a origem do nome SpiN-TEC. O composto, chamado de "quimera", pode então ser injetado no corpo humano e induzir a resposta imune.
"Antes da pandemia, já trabalhávamos com essa tecnologia de vacina aplicada a outras doenças, como a leishmaniose e chagas. A urgência provocada pelo aparecimento da Covid-19 nos ajudou a desenvolver essa solução o mais rapidamente possível. Usamos uma tecnologia já conhecida para desenvolver a vacina contra uma doença que então surgia", diz Salazar.
A pesquisadora salienta que o artigo dá credibilidade para a eficácia e proteção da vacina. Além disso, ela ressalta a importância de o CTVacinas ter trabalhado para comprovar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) as boas práticas de laboratório do CTVacinas.
"Trabalhamos muito para que a Anvisa aprovasse o controle de qualidade do produto final, que é a vacina, e do IFA, sigla para insumo farmacêutico ativo. O IFA é a base da vacina, o seu principal componente, que no caso da SpiN-TEC é um 'pedaço' do vírus. O IFA é o alvo da resposta imune do organismo e geralmente é importado, mas, nesse caso, está sendo produzido por nós no Brasil", conta.
O CTVacinas recebeu recentemente a certificação Boas Práticas de Laboratório (BPL) do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), outra condição importante para o início dos testes humanos.
"Acabamos de fazer testes pré-clínicos que mostraram a eficácia e a segurança da SpiN-TEC. Estamos terminando de responder às últimas exigências da Anvisa que avaliam a pureza da vacina e então poderemos realizar os testes em humanos. A primeira fase será com um número restrito de pessoas e, posteriormente, serão feitos testes com milhares de voluntários. A expectativa é que os testes com humanos ocorram já no início do ano que vem", conclui Salazar.
Os trabalhos são fruto de parceria de pesquisadores do CTVacinas, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e da Faculdade de Farmácia da UFMG, da Fundação Ezequiel Dias (Funed), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz MG) e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
Além de pesquisadores, alunos de pós-graduação também estiveram envolvidos nos trabalhos que contaram com apoio financeiro da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), do Governo de Minas Gerais, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e do Governo Federal.
O CTVacinas também realiza pesquisas para o desenvolvimento de vacinas contra a malária e contra a leishmaniose, além de já ter iniciado os estudos para um imunizante contra a monkeypox.
*Com informações da UFMG
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