A aplicação de uma dose de reforço com a vacina bivalente contendo a cepa original do coronavírus de Wuhan combinada com a variante ômicron já começou em boa parte do mundo. A Pfizer e a Moderna já licenciaram seus imunizantes contra Covid contendo as subvariantes BA.1 e BA.5 (da ômicron), as duas formas do vírus hoje com maior circulação.
Isso porque as vacinas produzidas no primeiro ano da pandemia, que utilizam apenas a forma ancestral em sua formulação, apresentam eficácia reduzida frente às novas cepas, principalmente para proteção de casos leves e moderados.
No Brasil, já existem registros de uma nova subvariante da ômicron, a BQ.1.1. Ela foi identificada em São Paulo e provocou a morte de uma mulher de 72 anos que tinha comorbidades. A cepa também foi detectada no Amazonas, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Especialistas alertam que os casos de Covid devem aumentar nas próximas semanas.
A vacina bivalente já passou a ser aplicada nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa. No mês passado, o Chile iniciou um reforço em pessoas imunossuprimidas e profissionais de saúde com a nova formulação.
Para infectologistas, esse é o cenário que o Brasil deveria seguir, embora o Ministério da Saúde, na atual gestão de Jair Bolsonaro (PL), afirme que a estratégia de vacinação para o próximo ano, bem como a quantidade de doses utilizadas, ainda está indefinida.
"O ministério não fala nada, mas o que estamos vendo nos países do hemisfério Norte é a atualização justamente com essa vacina bivalente. Seria interessante que já tivesse início essa discussão no PNI [Programa Nacional de Imunização] para o ano que vem", afirma o infectologista e pesquisador da Fiocruz, Julio Croda.
Hoje, há um risco maior para as pessoas com idade acima de 80 anos, principalmente, de hospitalização e morte, mesmo com reforço da vacina, em relação aos jovens, mesmo não vacinados.
"O mais importante é que essa vacina bivalente possa vir para o Brasil priorizando esses grupos que sempre foram prioritários no passado", afirma Croda.
Outro ponto ainda em aberto é se essa vacina terá que ser atualizada a cada quatro ou seis meses, tempo médio que leva para a redução da proteção contra Covid sintomática, ou se será anual, como é feito com a vacinação contra a gripe.
"A vacina cumpriu seu papel de reduzir brutalmente o número de casos graves, hospitalizações e óbitos", diz o infectologista e presidente do departamento de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Marco Aurélio Sáfadi. Segundo ele, era esperado que fossem necessárias novas aplicações para acompanhar as mutações do vírus.
O infectologista destaca que o tempo até a queda na taxa de proteção nas vacinas contra o coronavírus é relativamente mais curto do que com outros imunizantes. "Ele é ainda mais curto para as formas leves, mas mesmo as graves, depois de um tempo, há prejuízo nessa proteção. O que significa que é necessário, passado um tempo, aplicar doses de reforço", explica.
Sáfadi lembra que a vacina contra a gripe possui uma duração da proteção similar, de cerca de seis meses, mas, como as infecções por influenza costumam ocorrer mais no período de inverno, uma vacinação anual contra a gripe costuma dar conta. "Esses dois aspectos fazem com que seja muito provável que a gente tenha que fazer vacinações periódicas, sazonais, assim que o vírus assumir esse papel [endêmico]", diz.
Para o pesquisador e coordenador do observatório InfoGripe, da Fiocruz, Marcelo Gomes, não é possível ainda antecipar se essas variantes que estão em circulação serão as dominantes no outono e inverno de 2023 no Brasil. "É provável que seja um descendente da ômicron, mas não temos como saber qual será. Por isso, precisamos pensar na possibilidade de um reforço anual", explica.
Por isso, ele avalia que o início da vacinação com formas bivalentes no Brasil ainda é extemporâneo.
"Analisando os benefícios junto ao custo, dar um reforço no sentido de recuperar a imunidade é melhor, mas não é fundamental [agora]. Hoje, recuperar as parcelas da população que ainda não completaram o esquema primário vacinal [duas doses] ou não iniciaram a vacinação, como as crianças abaixo de 5 anos, é fundamental", diz.
Para a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, uma vacinação conjunta Covid e gripe deve ser uma boa estratégia, pois geraria uma mobilização única das equipes e da população, que não terá que ir duas vezes ao posto de saúde.
Mesmo que não seja possível saber como o coronavírus irá se comportar, pois os últimos dois anos e meio foram atípicos para um vírus respiratório, ela defende que a estratégia contra o vírus contemple a atualização dos imunizantes.
"Estamos vendo já um aumento no número de casos no Brasil, mas mesmo se o próximo vírus dominante não for o mesmo que está em circulação agora, três anos é muito tempo para continuar utilizando a vacina monovalente sozinha, por isso acredito que é preciso pensar na estratégia [de reforço] bivalente", diz.
Estratégia ainda está em discussão, diz ministério O Ministério da Saúde disse, por meio de nota, que a "estratégia de vacinação para o próximo ano está em discussão pelo PNI", assim como as doses necessárias para "garantir a continuidade na imunização contra Covid-19".
Disse, ainda, que a pasta "monitora permanentemente a evolução das coberturas vacinais" em todas as idades e reforça "a importância da 2ª dose e dose de reforço para garantir a máxima proteção contra o vírus".
A Pfizer enviou pedido para autorização do uso da vacina bivalente contra Covid à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no dia 19 de agosto, mas até agora não houve resposta.
Questionada, a Anvisa informou, também por meio de nota, que o processo segue em análise e que "solicitou o apoio de sociedades médicas para a avaliação dos dados e emissão de parecer".
O órgão reitera ainda que considera as avaliações de outras agências internacionais no pedido e que, "no caso de uma autorização para uso emergencial, o processo será ainda encaminhado para deliberação pela diretoria colegiada".
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