Conteúdo verificado: Vídeo publicado no Telegram em que médico norte-americano afirma ter observado aumento em 20 vezes dos casos de câncer de endométrio em pessoas que se vacinaram contra o Sars-Cov-2. Segundo ele, outras doenças também estão se tornando mais frequentes nesse público.
É enganoso vídeo publicado no Telegram em que o médico norte-americano Ryan Cole afirma ter observado aumento em 20 vezes dos casos de câncer do endométrio em pacientes vacinados contra o novo coronavírus. O médico também diz que percebeu uma diminuição na capacidade do sistema autoimune de matar células infectadas nesse público e cita o aumento também de outras doenças, como herpes e HPV. Na realidade, as vacinas contra o coronavírus não são capazes de provocar tais doenças.
As vacinas desenvolvidas para combater a covid-19 são seguras e eficazes, como também são responsáveis por aumentar a produção de células-T, também conhecidas como “células de memória”, que produzem anticorpos, para defender o corpo do vírus. Ou seja, diferentemente do que afirma o médico, os imunizantes não baixam a imunidade nem facilitam o surgimento de novas doenças, mas, sim, protegem o corpo contra o coronavírus.
No Brasil – o vídeo verificado aqui viralizou em um grupo de brasileiros – não há nenhuma indicação de que as vacinas em uso possam afetar a capacidade do corpo de se proteger de outras doenças, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso vale tanto para os estudos científicos, testes clínicos ou no monitoramento que o órgão faz das reações aos imunizantes.
Ouvida pelo Comprova, a médica Monica Levi, presidente da Comissão de Revisão de Calendários de Vacinação da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), também disse que as alegações do americano são um argumento antigo de grupos antivacinas já desmentidos pelos cientistas. Segundo ela, não só não há registro de que os imunizantes prejudiquem o sistema imune como há, inclusive, estudos que sugerem que eles podem fortalecer a defesa do corpo contra outras infecções além daquela para a qual o composto foi desenvolvido. Ela também lembra que não há registro na literatura médica de que as vacinas possam provocar câncer.
Procurado, o médico não respondeu até a publicação deste texto. O Comprova considerou o conteúdo enganoso porque Cole usa dados que induzem a uma interpretação errada – de que as vacinas são prejudiciais, como mostram alguns comentários da publicação. Uma pessoa escreve, por exemplo, ter esperança de que a campanha de imunização seja cancelada para menores de 30 anos no Brasil; outra, conta que não vai se vacinar.
O Comprova buscou informações sobre o médico Ryan Cole. Em uma pesquisa na internet, encontramos o site da clínica do médico e links de matérias feitas por outras agências de checagem e portais de notícias sobre as informações sem fundamento de Cole.
Para checarmos a fundamentação dos dados citados pelo médico durante o vídeo, entramos em contato via mensagem, pelo site do laboratório, mas não recebemos a confirmação no nosso e-mail. Então, escrevemos via perfil do Facebook do laboratório – não houve retorno até a publicação deste texto.
Também procuramos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para saber se há algum indício de que as vacinas em uso no Brasil tenham efeito negativo sobre o sistema imune.
Por fim, entrevistamos a médica Monica Levi. presidente da Comissão de Revisão de Calendários de Vacinação da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 23 de setembro de 2021.
Ryan Cole é um dermatologista norte-americano especializado em patologia. Atua como CEO do laboratório Cole Diagnostics, focado em serviços de laboratório clínico e patologias.
Cole integra a Associação de Médicos Independentes do estado de Idaho, grupo formado em 2013 por profissionais que possuem suas próprias práticas médicas, com “liberdade de diagnosticar e tratar sem sobrecarga de interesses potencialmente conflitantes”, segundo define o site da organização.
“Somos uma organização de médicos independentes em Idaho. Donos de nossas clínicas, portanto, livres para nos juntar a nossos pacientes na escolha de suas melhores opções de cuidados de saúde”, diz o site.
Cole já havia questionado a eficácia e segurança das vacinas contra a covid-19. Suas declarações foram checadas e desmentidas pela FactCheck.Org.
Para entender como as vacinas contra a covid-19 funcionam no corpo, é importante entender a função das células T, citadas por Cole e também conhecidas como linfócitos T ou glóbulos brancos.
São elas que entram em ação de forma rápida, caso o corpo encontre o mesmo vírus mais de uma vez. Por essa razão, também são chamadas “células de memória”, por efetivar as respostas antivirais com ataque às células que já foram infectadas.
Quando os vírus familiares são detectados pelas células T, fica a cargo dos linfócitos B — glóbulos brancos defensivos — produzirem anticorpos para atacá-los.
Os imunizantes são seguros e funcionam de maneiras distintas, a depender da tecnologia empregada para fabricação.
De maneira geral, eles agem para deixar o corpo com um suprimento extra de linfócitos T — para memorizar quais vírus devem ser combatidos — e linfócitos B — que saberão como executar esse combate.
A proteção das vacinas ocorre dentro de algumas semanas e, por isso, algumas pessoas podem ser infectadas com a covid-19 imediatamente após a aplicação da dose, ou antes da vacinação, pelo intervalo curto entre a aplicação da vacina e a produção de anticorpos.
Assim, a função das células T, presente nos imunizantes contra o coronavírus, é a de aumentar a imunidade contra a doença.
Por essa razão, é falsa a afirmação do patologista Ryan Cole sobre a queda do sistema imune do corpo após a aplicação da vacina. O médico antivacina afirma ainda que a aplicação das doses favorece o aparecimento de doenças autoimunes e o câncer, o que não é verdade.
Em outra ocasião, Cole havia indicado um artigo de 2018, publicado pela revista Nature Reviews Drug Discovery, para sustentar a tese de que as vacinas provocavam câncer. Ao FactCheck.Org, o autor principal do artigo, Norbert Pardi, afirmou que em nenhum momento a publicação demonstra que as vacinas de mRNA causam câncer ou doenças autoimunes.
Ao Comprova, a Anvisa afirmou que “não há indicações a partir dos estudos científicos e estudos clínicos ou ainda do monitoramento de notificações de que as vacinas contra covid-19 possam afetar a capacidade do organismo humano em responder contra outras doenças”. “Pelo contrário, as vacinas são consideradas seguras e com relação de benefício-risco positiva”, prossegue o órgão de segurança sanitária brasileira.
Segundo a médica Monica Levi, o discurso de que as vacinas sobrecarregam o sistema imune e baixam a imunidade é uma alegação antiga do movimento antivacina que já foi desmentida pela ciência. Ela explica que mesmo antes da pandemia já existiam dados que mostravam que a vacinação auxilia a resposta imune.
“Quando você pega um recém-nascido, ele em poucas horas está totalmente colonizado e tem que responder a um monte de estímulos antigênicos, em uma quantidade muito maior do que a carga antigênica de qualquer vacina”, diz Levi. “Além disso, cálculos matemáticos mostram que se 11 vacinas fossem aplicadas ao mesmo tempo numa criança, isso ativaria aproximadamente 0,1% do sistema imune”, afirma ainda.
De acordo com a especialista, também há indícios nas pesquisas científicas de que os imunizantes em geral possam ter exatamente o efeito contrário do que afirma o conteúdo verificado pelo Comprova. Isso porque entre as várias defesas ativadas pelos antígenos presentes nas vacinas, está uma barreira de resposta inespecífica, que pode atenuar outras infecções.
“Há estudo mostrando que crianças recém-vacinadas estão menos suscetíveis a vírus respiratórios, por exemplo”, ela cita. Embora os pesquisadores ainda trabalhem em estudos mais conclusivos sobre o efeito da resposta inespecífica, o tema já era bastante conhecido no ambiente científico mesmo antes da pandemia, diz Levi.
A médica também diz que jamais houve registro de aumento de câncer em pessoas vacinadas. “Muito pelo contrário. Em relação ao câncer, nós temos a vacina do HPV e da hepatite B. E a gente tem visto os resultados delas há muito tempo: a redução do câncer de colo de útero e a redução do câncer de fígado nas populações vacinadas”, lembra.
Segundo o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC na sigla em inglês), as vacinas trabalham estimulando o sistema imune a produzir anticorpos, exatamente como acontece quando você é exposto à doença. Depois de ser vacinado, você desenvolve imunidade àquela doença sem ser infectado por ela.
Em um vídeo publicado em fevereiro deste ano, o médico Paul Offit, do Children’s Hospital of Philadelphia, explica porque as vacinas de RNA contra a covid-19 não comprometem o sistema imune.
“O RNA mensageiro entra nas células e, em essência, é transformado numa proteína. Nesse caso, a proteína spike do Sars-CoV-2, que se conecta com a superfície da célula. Assim, a célula produz a proteína spike. Enquanto a célula está produzindo a proteína spike, ela também está fazendo uma variedade de outras proteínas usando o RNA mensageiro do corpo, nenhuma das quais afeta o sistema imune negativamente. Nenhuma dessas proteínas deve desregular o sistema imune ou causar uma perturbação nele”, ele argumenta.
“Na verdade, ocorre exatamente o oposto. A vacina contra o Sars-CoV-2 não enfraquece o sistema imune, mas o fortalece. Porque agora finalmente você tem anticorpos contra esse vírus que pode causar uma infecção severa e ocasionalmente fatal”, conclui.
Em sua quarta fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal, eleições e pandemia que tenham viralizado nas redes sociais, como é o caso deste vídeo, visualizado 42,2 mil vezes até 22 de setembro.
A verificação foi sugerida pelos leitores, por meio do número 11 97045-4984, pelo qual os usuários podem enviar ao Comprova sugestões de conteúdos cuja veracidade esteja sendo questionada.
O vídeo é prejudicial, pois desinforma ao dizer, erroneamente, que a vacina pode causar doenças. Fazendo isso, o conteúdo coloca a população em risco, pois pessoas que acreditam nele podem deixar de se vacinar, e o imunizante é a principal ferramenta contra a covid-19 atualmente.
O Comprova vem mostrando conteúdos enganosos sobre as vacinas, como o post que afirmava que empresas não exigem vacinação e que CEO da Pfizer não se imunizou e o vídeo em que médico dizia que imunizantes não são eficazes contra a variante dela.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
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