RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO - A operação da Polícia Federal que investiga uma tentativa de golpe de Estado impôs um obstáculo às articulações do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, para as eleições municipais.
Na avaliação de líderes da legenda, o impedimento do ex-mandatário de conversar com outros alvos do inquérito — entre eles, o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto — minam as estratégias pensadas para o pleito deste ano.
As consequências da investigação que atinge o entorno do ex-presidente trazem incertezas principalmente para as duas capitais que são foco do bolsonarismo no país, Rio de Janeiro e São Paulo.
Bolsonaro foi um dos alvos da operação desta quinta (8) e teve o passaporte apreendido. Já Valdemar foi preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo. O general Walter Braga Netto, também da sigla, foi outro alvo. Todos estão impedidos de se comunicar entre si.
Segundo correligionários, Braga Netto teria papel de coordenar as campanhas municipais do PL. Ele havia sido escolhido para a função por ser homem da estrita confiança de Bolsonaro e por ter uma visão de estrategista, como militar, e de conciliador.
Agora, no entanto, sem poder se comunicar com os principais líderes do partido, o general fica impedido de exercer a função.
Dentro dos planos do PL para 2024, o partido pretende eleger mil prefeitos por todo o país. Eles apostam, para isso, na popularidade de Bolsonaro e no acesso aos fartos fundos eleitoral e partidário — conquistados após a sigla fazer a maior bancada na Câmara dos Deputados em 2022.
Como havia disputas internas, o diálogo entre Bolsonaro e Valdemar era fundamental. Agora, eles vão depender de interlocutores para chegar a consensos na cidade.
No Rio de Janeiro, um dos atritos ocorre pela escolha do vice do candidato bolsonarista.
De um lado, a ala ligada à ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, apoiada por Valdemar, defende uma chapa pura com a deputada federal Chris Tonietto. Do outro, os filhos de Bolsonaro, apoiados pelo pai, defendem oferecer o posto a algum partido aliado, para aumentar a competitividade da candidatura.
A decisão final, segundo fontes a par das conversas, é de Bolsonaro, e o ex-presidente escolheria quem seria o vice do deputado federal Alexandre Ramagem. O problema é que, agora, a candidatura do parlamentar entrou em xeque.
Isso porque Ramagem também é alvo de investigações da PF, em um inquérito que apura monitoramentos ilegais da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) durante o governo Bolsonaro.
As duas investigações afastam alianças com outros partidos, já que seus líderes receiam atrelar sua imagem em ano eleitoral com investigados que podem ser alvos de mais ações em um curto espaço de tempo.
Na avaliação deles, não é favorável para ninguém estar no palanque de quem pode ser preso às vésperas da eleição.
Dessa forma, siglas importantes no Rio, como PP, MDB e União Brasil, já estudam lançar candidatos próprios ou se aliar com o principal oponente de Bolsonaro na cidade, o prefeito Eduardo Paes (PSD), apontado como favorito na disputa.
Além disso, dentro do PL, abre-se a brecha para que o partido indique um nome mais neutro na corrida a prefeitura, alguém que não seja tão ligado ao ex-presidente. Uma das possibilidades é o senador Carlos Portinho, que já começou a se movimentar.
Recentemente, ele se reuniu com o governador Cláudio Castro (PL) e o presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar, que está prestes a assumir o comando da União Brasil fluminense. Após a operação desta quinta-feira e diante dessas incertezas, líderes do PL do Rio se reuniram em um jantar para definir os próximos passos.
Em São Paulo, a operação tem potencial para atingir a campanha do prefeito Ricardo Nunes (MDB), onde já se dava como certo de que o PL ficaria com a vice. Entre partidos aliados, havia uma percepção de que o PL, por ser o maior partido e ser a sigla de Bolsonaro, teria preferência nessa escolha.
Nunes pediria uma pesquisa para avaliar a lista de nomes indicadas por Valdemar, o deputado estadual Tomé Abduch (Republicanos-SP), a secretária estadual de Políticas para a Mulher, Sonaira Fernandes (Republicanos-SP), a delegada Raquel Gallinati e o ex-chefe da Rota coronel Mello Araújo este último uma indicação de Bolsonaro.
Políticos do entorno de Nunes minimizam o impacto na campanha. No entanto siglas aliadas já estão em compasso de espera para verificar o tamanho do estrago sobre a imagem de Bolsonaro.
Dependendo do impacto e com aumento do risco de uma prisão do ex-presidente, as lideranças avaliam que o vínculo direto com o partido dele possa passar a não ser mais vantajoso para Nunes.
Nesse caso, partidos como União Brasil, do vereador Milton Leite — presidente da Câmara Municipal — e o Republicanos, que abriga o governador Tarcísio de Freitas, despontam como possíveis herdeiros da vaga.
Leite, que controla a União Brasil em São Paulo, é um dos que miram o posto. Além disso, a importância de Tarcísio, que ainda não se manifestou sobre o vice, também cresceria, avaliam líderes.
Nesta quinta, Nunes evitou novamente comentar o fato de o ex-presidente estar na mira da Polícia Federal. nQuestionado pela imprensa durante a inauguração de uma UBS na zona leste, ele, que já disse considerar Bolsonaro um democrata, afirmou que não tinha o que comentar e que estava "cuidando da cidade".
O principal adversário de Nunes, Guilherme Boulos (PSOL), não deixou passar a oportunidade de lembrar a frase e o vínculo entre ambos.
"O candidato do Bolsonaro à Prefeitura de São Paulo disse agora que não tem como comentar a operação da PF. Seria bom saber se ele ainda considera seu padrinho político um democrata, como declarou há pouco tempo", escreveu em uma rede social.
Enquanto Nunes tenta fugir da polarização, Boulos aposta na estratégia oposta, confiando que a vantagem da esquerda na cidade registrada em 2022 possa se repetir.
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