A viagem do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) à Rússia reforçou a preocupação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre uma possível interferência internacional na eleição brasileira deste ano.
O Supremo já investiga como funciona a influência estrangeira na disseminação de fake news feita por aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) e, agora, passou a temer que isso se repita no pleito presidencial.
A preocupação também existe na Polícia Federal, que já mencionou a relação de bolsonaristas com responsáveis por propagação de notícias falsas nos Estados Unidos em diversas representações apresentadas aos dois tribunais.
O temor expressado nos bastidores entre os magistrados foi exposto em duas decisões do ministro Alexandre de Moraes, que será o presidente no TSE durante o pleito. Na mais recente, ele citou como um dos motivos que torna necessário o governo federal dar explicações sobre a ida do filho do presidente Bolsonaro ao leste europeu o fato de o autor do pedido de investigação ter mencionado que a "Rússia é origem de notórios ataques hackers relacionados às votações do Brexit, em 2016, e às eleições nos Estados Unidos, em 2016 e 2020". Em outro indício da importância que o magistrado tem dado ao tema, ele se negou a retirar o caso da alçada do inquérito das fake news, que está sob sua responsabilidade.
Geralmente, pedidos de investigação contra aliados do governo apresentados por integrantes da oposição — neste caso o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) — são feitos em petições à parte, não nos autos de investigação criminal, como nesta situação.
O ministro, entretanto, afirmou que os fatos apontados pelo parlamentar "guardam aparente relação" com as apurações sobre fake news em curso no Supremo, o que exige que ambos os casos sejam investigados em conjunto. Por isso, a ordem de Moraes, proferida dentro de um inquérito, para que o Palácio do Planalto e a Câmara Municipal do Rio de Janeiro explicassem a viagem de Carlos, em fevereiro, ganhou natureza criminal.
Além disso, em outubro do ano passado, em mais um indicativo do temor do TSE em eventual ajuda estrangeira à rede bolsonarista para difusão de fake news, Moraes citou o vínculo do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos com um dos invasores do Capitólio para justificar a prisão do correligionário do chefe do Executivo.
No pedido de prisão, a Polícia Federal mencionou, em trecho transcrito por Moraes em sua decisão, que o comunicador bolsonarista se articulou com pessoas "diretamente envolvidas" na invasão do Congresso americano.
A polícia argumentou que Santos usou o canal de Jonathon Owen Shroyer, processado pelo caso do Capitólio, "para reiterar e reverberar, dessa vez em solo americano, a difusão de teorias conspiratórias voltadas a desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, instituições e/ou pessoas".
"Em solo americano, o investigado se associou a pessoas ligadas aos violentos atos criminosos que ocorreram em Washington D.C., no prédio do Capitólio, que buscavam contestar o resultado das democráticas eleições americanas", escreveu o ministro.
Nesta sexta-feira (18), Moraes acolheu pedido da Polícia Federal e determinou que as plataformas e provedores de internet bloqueiem o funcionamento do Telegram em todo o Brasil. Na decisão de 18 páginas, Moraes salienta reiteradas vezes a "omissão" do Telegram em fazer cessar a divulgação de notícias fraudulentas e a prática de infrações penais. A decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) foi criticada por Bolsonaro, que a chamou de inadmissível, e pelo ministro da Justiça, Anderson Torres — a PF é ligada à pasta dele. O Telegram é visto como uma das principais preocupações para as eleições de 2022 devido à falta de controles na disseminação de fake news e se tornou também alvo de discussão no Congresso e no TSE para possíveis restrições em seu funcionamento no Brasil.
Outro fator que desperta preocupação de ministros do TSE diz respeito à proximidade de outro filho do chefe do Executivo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), com Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump. Em agosto do ano passado, a PF afirmou à corte eleitoral que canais bolsonaristas replicam a estratégia usada pelo ex-presidente dos EUA em 2016, quando venceu o pleito, de tentar diminuir a fronteira entre o que é verdade e o que é mentira. Essas iniciativas são atribuídas a Bannon, que foi estrategista de Trump no pleito americano.
Ele participou de eventos recentemente com Eduardo e reforçou o discurso bolsonarista de que as urnas eletrônicas não são seguras. Bannon chegou a dizer que Bolsonaro será reeleito, "a menos que seja roubado".
Em setembro do ano passado, em mais uma ação que visa entender o nível da influência internacional na rede de desinformação de aliados do presidente, Moraes mandou a PF colher o depoimento do empresário Jason Miller, ex-assessor de Trump. Ele é fundador da rede social Gettr, que tem como público-alvo a extrema direita, e foi questionado sobre eventual envolvimento na disseminação de pautas antidemocráticas. Dois dias antes, ele havia se reunido com Eduardo Bolsonaro.
A preocupação dos ministros não se restringe ao período eleitoral. Em fevereiro do ano passado, o ministro Dias Toffoli, do STF, afirmou que as redes bolsonaristas se valem de dinheiro estrangeiro para desestabilizar a democracia. Segundo o magistrado, os inquéritos que apuram atos antidemocráticos e fake news no país identificaram, por meio da quebra de sigilos bancários, financiamento internacional a pessoas que usam as redes sociais para atacar o próprio STF.
"Esse inquérito que combate as fake news e os atos antidemocráticos já identificou financiamento estrangeiro internacional a atores que usam as redes sociais para fazer campanhas contra as instituições, em especial o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional", disse o ministro em entrevista ao programa Canal Livre, da Band.
Toffoli foi quem determinou, de ofício, a abertura do inquérito das fake news, e quem delegou Moraes como relator do caso.
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