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Vídeo manipulado deturpa entrevista do presidente da Anvisa para sugerir "risco sanitário grave" na vacinação

Vídeo manipulado deturpa entrevista do presidente da Anvisa para sugerir "risco sanitário grave" na vacinação

Em vídeo postado no Twitter, Antônio Barra Torres aparece dizendo que a população “corre risco sanitário grave”, mas as imagens foram editadas para fazer parecer que ele se referia às vacinas já aprovadas

Publicado em 22 de fevereiro de 2021 às 13:46- Atualizado há 4 anos

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Passando a Limpo: Vídeo manipulado deturpa entrevista do presidente da Anvisa para sugerir
É falso o conteúdo de um post publicado no Twitter segundo o qual a população brasileira “corre risco grave ao tomar a vacina” contra a Covid-19. (Reprodução/Comprova)

Conteúdo verificado: vídeo publicado no Twitter, em que o presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, aparece dizendo que a vacina contra a Covid-19 não é segura e que a população está correndo um “risco sanitário grave."

É falso o conteúdo de um post publicado no Twitter segundo o qual a população brasileira “corre risco grave ao tomar a vacina” contra Covid-19. O tuíte traz uma informação inverídica e, para embasá-la, utiliza-se de um vídeo manipulado de uma entrevista de Antônio Barra Torres, presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As vacinas aprovadas pela Anvisa até aqui – a de Oxford em parceria com a Astrazeneca e a Coronavac – são seguras e eficazes para lidar com a pandemia.

O Comprova concluiu que o vídeo postado no Twitter foi editado e retirado do contexto. O conteúdo faz parte de uma entrevista concedida à emissora CNN Brasil, em 10 de fevereiro de 2021, na programação do jornal matinal Novo Dia, apresentado por Rafael Colombo, Elisa Veeck e Luciana Barreto.

No vídeo, Barra Torres aparece dizendo que a população “corre risco sanitário grave”, mas as imagens foram montadas de tal modo a fazer parecer que ele se referia às vacinas. Na realidade, o presidente da Anvisa estava, naquele trecho, descrevendo sua preocupação em relação a um artigo incluído à Medida Provisória (MP) 1.003/2020, que reduz a autonomia da Anvisa sobre a análise e aprovação de novas vacinas.

O vídeo foi organizado de maneira que a real motivação das falas fosse ocultada. Dessa forma, quem assiste ao vídeo sem saber o contexto em que a entrevista foi concedida é induzido à ideia de que a emenda à MP já está em vigor, quando na realidade ela ainda não havia sido sancionada pelo presidente no momento em que foi feita a gravação.

Além disso, da maneira como foi montado, o vídeo pode sugerir que as vacinas em uso hoje no Brasil, que passaram por análise técnica e pela aprovação emergencial da Anvisa, não são seguras. Mas na realidade a fala do presidente da Agência indica para uma situação futura, ou seja, o que Antônio Barra Torres queria dizer é que caso a Medida Provisória seja sancionada na íntegra pelo presidente, os brasileiros correm um “risco sanitário grave”, já que as novas vacinas não passariam por uma avaliação técnica tão criteriosa como a que é feita atualmente.

COMO VERIFICAMOS?

Primeiro, pesquisamos no canal do YouTube da CNN Brasil, programas apresentados pelos jornalistas que aparecem no vídeo (Rafael Colombo, Elisa Veeck e Luciana Barreto), para identificar de qual programa jornalístico o vídeo poderia ter sido retirado.

Após identificarmos o jornal Novo Dia, consultamos as edições exibidas antes da data da postagem feita no Twitter, com intuito de confirmar se a entrevista feita com o presidente da Anvisa havia realmente sido realizada pela emissora CNN Brasil.

Ao chegarmos na edição do dia 10 de fevereiro, constatamos que a entrevista havia sido realizada ao vivo, durante a exibição do jornal matinal. Ao encontrar o material com a reportagem oficial, assistimos aos dois vídeos, – a entrevista completa da CNN Brasil e o vídeo postado no Twitter – comparando trecho a trecho até que fosse possível identificar todos os pontos editados da versão original.

Também consultamos o site do Congresso Nacional para acompanhar a tramitação da Medida Provisória, e constatamos que, após a aprovação do texto pelo Senado Federal para transformá-la em lei, a proposta foi encaminhada para a sanção presidencial, o que até o fechamento desta reportagem não ocorreu.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a Covid-19 disponíveis no dia 18 de fevereiro de 2021.

VERIFICAÇÃO

O vídeo verificado inicia com uma fala do presidente da Anvisa, afirmando que, se a MP for aprovada com o texto atual, a agência não fará mais a análise dos pedidos de aprovação de vacinas, mas irá apenas conceder a liberação, deixando assim de exercer o seu papel técnico.

O Comprova verificou que a primeira parte da entrevista, concedida em 10 de fevereiro de 2021 para a CNN, foi excluída da versão publicada no Twitter, o que pode comprometer o entendimento sobre o conteúdo originalmente apresentado.

A reportagem original começa com o âncora do jornal matinal Novo Dia, Rafael Colombo, falando sobre a decisão da Anvisa de liberar as vacinas distribuídas pelo consórcio da OMS, o Covax Facility, sem a necessidade de nenhum registro ou aprovação emergencial específica para uso no Brasil. Na sequência, o jornalista chama a analista política Basília Rodrigues para uma entrada ao vivo com Antônio Barra Torres para falar sobre uma reunião que o entrevistado havia acabado de ter com o presidente Jair Bolsonaro. O encontro teve como pauta a Medida Provisória, que foi modificada pelo Congresso Nacional para incluir no texto a redução do tempo de análise da agência para liberação de vacinas contra a Covid-19. A reunião se deu porque o trecho ainda pode ser vetado pelo presidente.

Na sequência, no vídeo original, o presidente da Anvisa explica que foi chamado por Bolsonaro para apresentar seus argumentos, para que o chefe do executivo pudesse compreender a necessidade do veto no texto da MP. O vídeo publicado no Twitter começa no meio da fala de Antônio Barra Torres, ou seja, a parte introdutória foi ocultada nessa versão.

Também foi verificado um corte no vídeo publicado no Twitter, no segundo 57, que excluiu a pergunta da repórter – o que novamente pode provocar erro de entendimento.

No trecho retirado, a jornalista pergunta: ”Por que o senhor tem essa avaliação de que a Medida Provisória tira a competência de análise da Anvisa? O senhor explicou isso para o presidente?”

A resposta de Antônio Barra Torres também foi editada no vídeo postado no Twitter, inclusive o trecho em que ele diz:

“(…) E não é possível, os nossos servidores concursados eles têm essa capacidade de trabalho e é pra isso que eles estão lá. Então não é razoável, diante de uma pandemia, onde medicamentos estão sendo desenvolvidos, inclusive em moldes especiais, não haja uma análise de quem tem competência para isso. Foi esse o nosso assessoramento, e o senhor presidente ele reiterou mais uma vez aquilo que tem dito sempre à imprensa, de que o Ministério da Saúde não comprará produtos que não sejam analisados pela Anvisa. Então eu entendo isso como uma sinalização bastante significativa. É claro que eu não vou ser antiético de antecipar qualquer tipo de decisão, até porque essa decisão é do presidente da República e ele tem o seu prazo para fazê-lo. Agora ele mais uma vez reiterou o que vem dizendo, que aquisição de vacinas se dará desde que haja aprovação da Anvisa. A aprovação, é claro, mediante a análise, não uma aprovação tácita ou automática”.

Após um grande corte, a entrevista prossegue com a pergunta da apresentadora Luciana Barreto, trecho que também foi manipulado. Na pergunta completa, a jornalista diz:

“Queria que o senhor explicasse para quem está nos vendo agora e nos ouvindo agora e tentando entender o que realmente está acontecendo. Todos nós desejamos a chegada da vacina, mais doses da vacina com mais celeridade, mas há o risco desse artigo 5º que o senhor falou agora e da retirada da autonomia da Anvisa, na prática a população corre algum risco?”

Na sequência, o presidente da Anvisa afirma que sim, a população corre “risco sanitário grave”, mas a afirmativa, que também aparece no vídeo publicado no Twitter, está relacionada diretamente à aprovação integral do texto da MP e não às vacinas já aprovadas.

O Comprova concluiu que o vídeo postado no Twitter foi montado apenas com trechos de falas que descrevem a preocupação do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, em relação a uma possível sanção do presidente Jair Bolsonaro sobre a MP, que foram organizadas de maneira em que a real motivação das falas fosse ocultada.

Dessa forma, quem assiste ao vídeo sem saber o contexto em que a entrevista foi concedida pode ter a impressão de que a lei que reduz a autonomia da Agência reguladora na análise para aprovação de novas vacinas já está em vigor, quando na realidade o presidente tem até o dia 1º de março para dar seu parecer de veto ou sanção para converter a MP em lei.

MEDIDA PROVISÓRIA

Apesar de as Medidas Provisórias (MPs) serem editadas pelo presidente da República, e terem efeitos imediatos quando publicadas, elas precisam ser apreciadas pelo Congresso Nacional para que sejam convertidas em leis. O prazo de vigência da MP é de 60 dias, podendo ser prorrogado por igual período. Do contrário, perde a validade.

No caso da MP 1.003/2020, a que se refere o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, a aprovação do texto pelo Senado Federal ocorreu no dia 4 de fevereiro. No texto original, publicado em 24 de setembro de 2020 e que ainda está em vigor, não consta o artigo 5º que foi apresentado como emenda, em plenário, também no dia 4 de fevereiro pelo senador Rodrigo Cunha (PSDB/AL).

A movimentação mais recente é do dia 9 de fevereiro, quando foi encaminhada à secretaria-geral da Presidência da República a mensagem para sanção presidencial do Projeto de Lei de Conversão 43/2020 (derivado da MP 1.003/2020).

LIBERAÇÃO DAS VACINAS COVAX FACILITY

O texto do Projeto de Lei de Conversão 43/2020 trata da autorização para o governo federal aderir ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 (Covax Facility), além de estabelecer diretrizes para imunização da população.

O trecho que causa preocupação ao presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, e que foi motivo de audiência com Jair Bolsonaro, conforme registrado na reportagem da CNN, está contido no artigo 5º.

Passando a limpo: artigo 5º da MP 1.003/2020
Artigo 5º da MP 1.003/2020. (Reprodução/Comprova)

Nele, além de estabelecido o período de cinco dias para análise de novas vacinas pela agência – um prazo reduzido, na avaliação de Barra Torres – um termo denota que a Anvisa perderia a sua atribuição técnica.

O texto diz que a “Anvisa concederá autorização temporária de uso emergencial”. Para Barra Torres, isso significaria que a agência teria apenas uma função cartorária, de checagem de documentos, em vez de efetivamente fazer uma análise técnica.

POR QUE INVESTIGAMOS?

Em sua terceira fase, o projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos que viralizaram na internet relacionados a políticas do governo federal, à pandemia ou às eleições municipais de 2020.

Apesar de o vídeo verificado ter sido postado por um perfil com menos de 2 mil seguidores, ele foi visualizado 24,8 mil vezes. Dessa forma, por se tratar de um conteúdo importante, ligado diretamente à confiança das pessoas em relação às vacinas contra a Covid-19 e por conta da grande repercussão, a verificação se torna fundamental para esclarecer dúvidas relacionadas ao trabalho da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e também essencial para reforçar sobre a eficácia e segurança das vacinas já aprovadas para uso emergencial no Brasil.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

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