O ano de 1991 foi movimentado no Espírito Santo. O Estado, que não está tão habituado a estar na rota de visitas de grandes personalidades internacionais, naquele ano foi palco de três passagens de relevo, nos campos religioso, político e diplomático. Estiveram por aqui, em um intervalo de apenas seis meses, o então presidente da África do Sul, Nelson Mandela, o príncipe Charles e o Papa João Paulo II.
Os três cumpriram agendas bastante diversas no Estado. As visitas, que completam 30 anos agora em 2021, foram resultado de uma confluência de fatores, internos e externos, e apenas por coincidência foram realizadas em datas tão próximas.
A mais chamativa delas, a passagem do papa, começou a ser preparada meses antes. Ele chegou ao Aerporto de Vitória há exatas três décadas, no dia 18 de outubro. Ocorreu graças a um pedido do arcebispo Dom Silvestre Scandian ao núncio apostólico, uma espécie de embaixador da Santa Sé. O Estado ganhou pontos por ser um grande centro mariano, embora João Paulo II não tenha ido até o Convento da Penha por conta das dificuldades logísticas para sua proteção.
O segundo a pisar no Espírito Santo naquele ano foi Nelson Mandela. Conhecido pela luta contra a segregação racial, o líder pacifista chegou a ganhar o prêmio Nobel da Paz em 1993. Aqui, foi recepcionado por Albuíno Azeredo, o primeiro governador negro do Estado. Esse fator foi importante para a inclusão do destino capixaba no roteiro.
“Como o Mandela tinha uma posição pela diversidade, pela pluralidade, pelo fim do preconceito, como era essa sua luta, era muito simbólico que a visita dele ao Brasil ocorresse em um Estado governado por um político também negro”, comenta o cientista político João Gualberto Vasconcellos.
A inclusão do Espírito Santo na passagem do príncipe Charles pelo Brasil atendeu a motivos diplomáticos. O herdeiro da Coroa britânica veio ao Estado para uma visita à Aracruz Celulose, hoje Suzano, empresa fundada pelo empresário norueguês radicado no Brasil Erling Sven Lorentzen, que era casado com a princesa Ragnhild da Noruega, a filha mais velha do rei Olavo V e da princesa Marta da Suécia.
Além disso, lembra João Gualberto, uma das grandes acionistas da Aracruz Celulose, na época, era a empresa Souza Cruz, que por sua vez tinha entre seus donos a British American Tobacco. “O príncipe Charles, então, também veio em nome dos interesses ingleses, que controlavam a fábrica. Por fim, um dado importante é que a Aracruz Celulose era muito conhecida pelas boas práticas que tinha aqui. Então esses três fatores se somam, a monarquia, os interesses do capital inglês e o bom nome internacional”, aponta.
Abaixo, confira detalhes sobre as três visitas ao Espírito Santo em 1991:
Foi o primeiro dos três a visitar o Estado. Em 25 de abril de 1991, o Espírito Santo conheceu a realeza. Ou, pelo menos, uma das principais figuras da família real britânica. Trata-se do primeiro herdeiro do trono inglês, príncipe Charles, que passou por Vitória e Aracruz durante uma visita oficial ao Brasil.
Ele desembarcou no Aeroporto de Vitória às 11h08, com oito minutos de atraso, e foi recepcionado pelo então governador do Estado, Albuíno Azeredo. Sua vinda contou com um forte esquema de segurança, envolvendo mais de 100 homens da Polícia Militar e agentes federais e ingleses.
O príncipe foi recebido com festa e suspiros de um grupo de mulheres no aeroporto, mas também com protestos, que nem chegaram a ser vistos por Charles. O foco das manifestações era sobre o meio ambiente, já que o britânico veio ao Estado com intuito de visitar a então Aracruz Celulose, hoje Suzano.
Charles ficou por cinco horas nas terras capixabas. Do Aeroporto de Vitória, seguiu para a fábrica, percorrendo-a e ouvindo explicações sobre a produção. Lá plantou uma muda de pau-brasil no Centro de Pesquisas Florestais da empresa.
No Estado, o príncipe quebrou o protocolo e a agenda oficial por querer conhecer a casa de Yara Ikemori, engenheira agrônoma da Aracruz. A visita, no bairro Coqueiral, não foi acompanhada pela imprensa, e nem Charles nem Yara quiseram comentar sobre o acontecimento.
O representante da família real viajou para o Brasil acompanhado da esposa, mas a princesa Diana - de quem se divorciaria cinco anos depois -, não veio ao Espírito Santo e participou de outros compromissos oficiais em São Paulo.
A visita do ex-presidente sul-africano e ativista do movimento negro Nelson Mandela ao Estado ocorreu em agosto de 1991, durante o mandato do governador Albuíno Azeredo. Na época, comemorou a recepção dos capixabas. "Estou muito feliz. Fui recebido com muito carinho" foi uma das frases ditas por ele, ao discursar para cerca de 7 mil pessoas, em Cariacica", afirmou.
Inicialmente, ele ficaria hospedado no Palácio Anchieta ou em um hotel na Praia de Camburi, em Vitória. No entanto, Mandela, que havia passado 27 anos na prisão, tinha se tornado tuberculoso nos anos de cárcere. No final das contas, ele passou apenas alguns minutos no Palácio, em uma rápida homenagem, e se hospedou na Residência Oficial da Praia da Costa.
No desembarque da comitiva presidencial, corria o burburinho de que Mandela, então com 79 anos, se sentia fraco e havia a apreensão de que os eventos programados fossem cancelados. Contrariando a especulação, o dia seguinte foi de sol e, mesmo assim, cerca de 7 mil capixabas trocaram a praia pelo estádio Engenheiro Araripe, em Cariacica, onde Mandela discursou. Na época ele disse que "o povo do Espírito Santo está inteiramente conosco nessa luta pela libertação da África do Sul e com seu apoio não há dúvidas que vamos vencer".
O secretário de Apoio aos Municípios na época, José Eugênio Vieira, ficou encarregado dos preparativos. Ele conta que o carpete que revestia o Palácio naquele período quase inviabilizou a visita.
"Faltavam três dias para a visita quando o Itamaraty vetou o hotel e o Palácio, porque tinha carpete e não faria bem para o Mandela, que era tuberculoso. O local precisaria comportar também 100 homens que fariam a segurança. A única alternativa que restou foi a Residência Oficial, que naquela época estava abandonada. Foi uma correria danada, mas conseguimos fazer uma reforma em três dias e deixar tudo pronto para receber Mandela. Foi uma visita importante para o Estado, para o povo capixaba, mas quase não aconteceu", revelou.
Era outubro de 1991 quando a maior liderança da Igreja Católica visitou os capixabas. Além da missa no Aterro da Condusa, na Enseada do Suá, no lugar hoje conhecido como Praça do Papa, o pontífice fez uma celebração em São Pedro, uma das regiões mais carentes da Grande Vitória. João Paulo II incluiu o bairro no roteiro após a leitura do livro “Na lama prometida, a redenção”, de Graça Andreatta. À época, a região era considerada “lugar de toda pobreza.”
Durante a missa, que reuniu 200 mil pessoas, vários momentos marcantes, como a hora em que o papa se ajoelhou diante da imagem de Nossa Senhora da Penha, símbolo da fé católica para os capixabas. Também houve manifestações dos fiéis com faixas em que se lia: “antes o povo passava fome, agora morre de fome”, e a entrega de um dossiê sobre a violência e a forte presença do crime organizado.
Depois de sair da praça, o papa foi levado a São Pedro de helicóptero, onde foi recebido com muita emoção por moradores da região. Na época, o cenário era de intensa pobreza, e a população vivia em meio ao lixão; muitos residiam em palafitas sobre o mangue. Por lá, João Paulo viu protestos contra o extermínio de crianças e fez duras críticas ao “capitalismo selvagem e à acumulação de riqueza”. Ao fim da celebração, três crianças conseguiram romper o esquema de segurança e chegaram perto do papa, de quem receberam abraços e um terço.
Nos bastidores pouco conhecidos das quase 18 horas em que esteve no Espírito Santo, o pontífice se deliciou com a moqueca capixaba, lambeu os dedos comendo doce e, entre tantas marcas que deixou, uma delas fincou raízes: uma árvore de pau-brasil.
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