Durante os períodos mais secos da história do Espírito Santo, em agosto de 1984, cada governo tentou, à sua maneira, encontrar uma forma de minimizar os efeitos da estiagem. Uma das muitas alternativas utilizadas no Estado capixaba foi a contratação de uma aeronave que fazia chover em locais específicos. Parece ficção científica, não é? Mas aconteceu!
Em pelo menos três ocasiões diferentes, durante a década de 1980, uma aeronave do governo do Ceará foi enviada ao Espírito Santo com a promessa de fazer chover e acabar com o sofrimento da população rural. A primeira tentativa aconteceu em agosto de 1984, em Colatina — hoje, carinhosamente apelidada por "Calortina" devido às altas temperaturas no município da região Noroeste do Estado.
A pedido do governador da época, Gérson Camata, a Fundação de Meteorologia do Ceará enviou gratuitamente uma aeronave Bandeirante para atuar no Estado, que atravessava um período de seca de cinco meses. O mesmo se repetiu em 1986 e 1987. Apesar de curiosa, a técnica não era nova.
Nos anos 50, o Estado do Ceará já fazia os primeiros experimentos do tipo para tentar contornar a seca no semiárido nordestino. O mesmo avião foi usado no sul da Bahia. O método é conhecido por especialistas como semeadura de nuvens ou nucleação. Mas como é possível fazer chover de forma artificial?
Em janeiro de 2017, a meteorologista do Instituto Climatempo, Josélia Pegorim, explicou: "A aeronave injeta, dentro de determinadas nuvens, alguns produtos que vão servir de aglutinador e acelerar o processo de formação de gotas". No caso do Espírito Santo, o produto utilizado foi o cloreto de sódio, mais conhecido como sal de cozinha.
Toneladas de sal eram carregadas na aeronave Bandeirante, que transportava o material até as nuvens, onde era injetado. O sal unia as gotículas minúsculas de água presentes das nuvens até elas ficarem pesadas o suficiente para quebrar a corrente de ar e cair sob forma de chuva.
Parece infalível? Mas não é bem assim. Ainda segundo a meteorologista, para que a empreitada funcione, são necessárias condições muito específicas. "Para funcionar, a nuvem bombardeada tem que ser do tipo 'cumulus' , mesmo assim, não serve qualquer uma", explicou, na ocasião.
O excesso de calor armazenado na atmosfera e a umidade do ar elevada são as razões básicas para a formação das grandes nuvens cumulus ou cumulonimbus, que provocam os raios, os trovões e também intensas rajadas de vento, granizo, mas, principalmente, muita chuva. Na nomenclatura usada pelos meteorologistas, a cumulonimbus é abreviada por Cb.
Ela ainda afirmou, à época, que seria necessário que a nuvem em questão já tenha propensão a fazer chover. É preciso ainda torcer para que as correntes de vento não a tirem do lugar após a nucleação, fazendo, assim, chover na região errada. Resumindo, o procedimento é custoso e as chances de sucesso costumam ser mínimas.
No dia 10 de abril de 1986, o avião Bandeirante iniciou com dois voos e injetaram o sal em nuvens cumulus, localizadas em municípios da Região Norte do Estado. Em consequência, foram registradas as primeiras chuvas artificiais, ainda que esparsas, em áreas de São Mateus, Linhares, Colatina e Nova Venécia.
À época, para a reportagem de A Gazeta, o coordenador da Fundação Centro de Meteorologia do Ceará (Funcem), Antônio Zaranza afirmou que no primeiro voo, realizado na parte da manhã, foram aplicados cerca de 400 litros de solução de água e sal.
No dia 10 de abril de 1986, aproximadamente vinte nuvens cumulus detectadas ao longo de Colatina, Linhares, Rio Bananal, Jaguaré e São Mateus. O tempo de voo da primeira operação durou exatamente 1h40.
À tarde, no mesmo dia, outro voo teve início às 16h25, com o avião abastecido de 500 litros de água e sal. Basicamente, foram percorridos os mesmos municípios, embora fosse menos o nível de nuvens cumulus encontradas ao longo de 1h15 de voo.
Justamente por ter alto custo e com chances mínimas de sucesso, o órgão cearense de meteorologia abandonou o projeto em 2000, após constatar que a nucleação não demonstrou aumento significativo nas precipitações. A técnica, no entanto, não ficou esquecida no passado.
Entre 2001 e 2014, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) usou a mesma técnica, dessa vez de uma empresa privada, para tentar aumentar a incidência de chuvas sobre as represas do Sistema Cantareira, em São Paulo. O uso foi contestado por especialistas paulistas e abandonado.
* Com informações de Laís Magesky e Natalia Bourguignon
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