Cemitérios são a última morada daqueles que, por dias, meses e anos viveram entre nós. Mas, se nos túmulos ficam os restos mortais dos que se foram, fora deles permanecem as histórias deixadas. Em Araguaia, pequeno vilarejo pertencente ao município de Marechal Floriano, na Região Serrana do Espírito Santo, uma sepultura, em especial, chama a atenção.
À primeira vista, o jazigo em questão passaria praticamente sem ser notado em meio aos cerca de 300 existentes, porém ali está enterrada uma pessoa com importância até mesmo para o Vaticano. A desgastada sepultura guarda, no silêncio do tempo, o corpo do italiano Pietro Tononi, que, quando na Itália, foi cozinheiro do Papa Leão XIII - o pontífice esteve à frente da Igreja Católica entre os anos de 1878 e 1903.
Esta passagem ilustre do "araguaiano" pelo Vaticano está narrada na página 24 do livro "La Vita di Vittorio - Diário de Um Imigrante", escrito por Douglas Puppin, também morador da vila florianense, com pouco mais de 1,5 mil moradores.
O que não está escrito com tantos detalhes na publicação, é o fato de Pietro ter ido muito além da cozinha do Vaticano quando jovem. O "chef do papa" teve grande importância para o desenvolvimento da região e criou raízes em Araguaia. É o que conta o morador e conhecedor da história do vilarejo e também vereador da cidade, Cezar Tadeu Ronchi Júnior, de 50 anos.
"Bem jovem, quando ainda morava na Itália, ele trabalhou na cozinha do Vaticano e foi um dos cozinheiros do Papa Leão XIII. Depois ele veio para o Brasil em 1895, quando tinha 19 anos, para a construção da Estrada de Ferro Sul Espírito Santo, e se instalou na comunidade de São Martinho. Desde muito novo ele já era um trabalhador e desempenhava muitos ofícios", narra Cezinha, como é conhecido.
O distrito onde o italiano se instalou pertence ao município vizinho de Alfredo Chaves, que fica muito próximo de Araguaia, onde as coisas, de fato, aconteciam naquele período. Quando chegou por aqui, Pietro não exerceu os dotes culinários - este apenas se manifestaram anos mais tarde e já com uma das filhas que teve, que por anos foi dona de uma pequena pensão no vilarejo, onde também preparava os quitutes aprendidos com o pai.
Antes de se casar e constituir família, Pietro teve participação ativa na vida dos vizinhos e trabalhadores locais. Com vasto conhecimento e tido como culto, ele escrevia cartas e teve participação ativa também no cotidiano religioso da região.
"Ele trabalhou na construção das pontes da estrada de ferro, mas era uma espécie de 'faz tudo' tudo aqui. Desde escrever as cartas dos italianos, além de ter sido coordenador da Igreja de São Martinho e juiz de paz de Matilde (Alfredo Chaves). Ele era muito inteligente e lia frequentemente os jornais que chegavam até a Estação de Araguaia. Tudo isso foi falado pela neta dele que ainda mora aqui, porém já acamada", conta Cezinha.
A passagem pelo cozinheiro do papa não ficou restrita às múltiplas funções que desempenhava. Por lá, ele conheceu a mulher que viria a se tornar esposa dele: Brigida Comarella. Juntos, o casal que subiu ao altar no dia 30 de março de 1896, teve três filhos - Anita, Sizira e Antônio. Este último recebeu o nome em homenagem ao santo católico do qual Pietro era devoto.
A devoção dele era tanta que, por volta de 1906, ele cumpriu com uma promessa que havia feito a Santo Antônio. Ao alcançar o feito desejado, ele trouxe da Itália quatro quadros com imagens da santidade e os colocou em quatro igrejinhas da região: Santo André, São José de Iriritimirim, São Martinho e Santo Antônio de Araguaia.
"Ele está sepultado em Araguaia, ao lado da esposa dele. Ele casou-se com uma pessoa da Família Comarella. E o mais interessante, óbvio que por uma coincidência, é que atualmente os familiares da mulher dele têm atualmente uma pizzaria em Vila Velha com este sobrenome", conta o vereador.
Hoje pertencente ao município de Marechal Floriano, Araguaia apresentava-se no passado como um entreposto de mercadorias do Sul do Espírito Santo por causa da estação ferroviária. O distrito era também uma importante ligação com o Rio de Janeiro, na época a então capital do Brasil. O vilarejo contava com livraria, fábricas de cereja e era ponto de passagem para as tropas a cavalo. As correspondências que seguiam para Santa Leopoldina e Afonso Cláudio chegavam pelo trem a vapor e eram levadas pelos tropeiros aos destinos.
Muito destes avanços de outrora foram conquistados com o empenho de imigrantes como Pietro, que faleceu no ano de 1921, acometido por um infarto fulminante. Após uma viagem de trem até Vitória para negócios, Pietro hospedou-se em um hotel da Capital capixaba. Enquanto lia um jornal, hábito que sempre manteve, ele passou mal e morreu em seguida.
Pietro foi sepultado no Cemitério de Araguaia, em um túmulo feito pelo próprio genro. Além dele, no local também estão enterrados um neto do Barão de Monjardim, importante político para o ES, e ainda um o primo da cantora Maysa.
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