Quem costuma trafegar pelas rodovias que cortam o Espírito Santo já deve ter reparado na presença de cruzes e de pequenos monumentos à beira da estrada como homenagens ou lembranças de pessoas que perderam a vida em acidentes de trânsito. Mas em um trecho da BR 101, no km 457, em Mimoso do Sul, no Sul do Estado, túmulos antigos chamam a atenção de quem passa, e não é de hoje.
Mas por que existiriam sepulturas às margens da rodovia federal mais importante do país? Quem são as pessoas que ali foram sepultadas? Estas foram algumas das perguntas que a proprietária de uma casa de festas de Cachoeiro de Itapemirim, Maria Celeste Pascini, se fazia há anos e não encontrava respostas. Em busca de alguma história, ela e os filhos Eduardo e Juliana pegaram o carro e foram até o local para um passeio de fim de semana em família.
Para a surpresa dela e dos filhos, existiam além dos dois túmulos bem conservados, outros três danificados e escondidos em meio ao mato alto.
"Já faz muito tempo que eu me perguntava sobre esse túmulo naquele lugar e como estou com meu negócio parado por conta da pandemia, chamei meus filhos e decidimos ir até lá. Foi surpreendente porque encontramos mais de uma sepultura, sendo que duas em ótimo estado de conservação. Chegamos até a limpar um pouco a área para ver se encontrávamos alguma lápide ou algo que identificassem as pessoas que ali foram enterradas, mas nada encontramos", disse ela.
A dúvida da dona de casa de festas foi a mesma que motivou a reportagem a procurar pela Prefeitura da cidade e também um historiador de Mimoso do Sul. Não é por acaso que no referido quilômetro existam sepulturas. Onde hoje é margem da rodovia, há cerca de um século existia um cemitério, como confirmado pelo secretário Municipal de Cultura, Gilberto Braga Machado.
Quem traz os detalhes dessa história secular é o historiador Renato Pires Mofati, de 61 anos. Nascido e criado em Mimoso do Sul, o pesquisador relatou a origem do cemitério, a última moradia de pessoas que perderam a vida para a Gripe Espanhola, muito antes da construção da BR 101 por volta da década de 1950. Segundo ele, onde hoje está a rodovia Federal era no passado o Cemitério de Santa Rosa e foi construído no ano de 1918.
"Esse cemitério foi construído no intuito de dar condições mais favoráveis para o sepultamento das pessoas que por ali viviam, que são das localidades de Baixo Rio Preto, São José das Torres, Independência e Santa Rosa. Ele foi feito devido à distância entre o cemitério de Mimoso do Sul, que ainda nem existia oficialmente e era apenas um terreno doado, e esse propriamente dito. As remoções eram complicadas antigamente. Como muitas pessoas morriam de Gripe Espanhola, elas acabaram ali sepultadas", detalhou o historiador.
Para quem ainda não se localizou ou não conhece a região, as sepulturas estão localizadas a cerca de um quilômetro do acesso para a sede de Mimoso do Sul e ficam no sentido da BR 101 em direção ao Rio de Janeiro. Segundo Mofati, a área onde existia o cemitério pertencia à família Cizenando de Freitas.
"Ali foram sepultados os antepassados de algumas famílias da cidade, entre elas Rodrigues, Fragoso, Dalbon, Vieira e Lopes. Até onde se sabe, a maioria dos restos mortais dessas pessoas foi retirada e levada para o cemitério da cidade depois que o mesmo foi descontinuado e a rodovia foi construída. Todos os sepultamentos antes de 1930 eram registrados em São Pedro do Itabapoana (distrito de Mimoso do Sul). Além das distâncias existentes, muitos cemitérios foram criados próximos às vilas, comunidades e até fazendas. E esse cemitério foi um deles. Ele tinha como medida cerca de 40 metros quadrados", contou o memorialista.
Quem mora na região é firme em dizer que o local é recheado em lendas e a principal delas é a da "noiva vestida de branco". Um dos que já ouviu falar desse causo é o professor de Português Jorge Fabelo, de 63 anos, também mimosense.
A BR 101 no Espírito Santo foi privatizada e por contrato será duplicada. E o que acontecerá com essas sepulturas centenárias? Em contato com a reportagem de A Gazeta, a assessoria da Eco101 explicou que serão realizados estudos arqueológicos no local para preservar o material que possa existir.
"A concessionária realiza o monitoramento da rodovia e o diagnóstico arqueológico antes e durante as obras de ampliação com a finalidade de evitar intervenções sobre objetos de valor histórico ou cultural. Para este trecho, as atividades de prospecção arqueológica deverão ser mobilizadas antes de eventual intervenção e paralelamente às obras de ampliação no trecho correspondente, previstas para o 23º ano de concessão (2036)", diz a nota da Eco101.
Caso não aconteça nenhuma mudança em relação ao cronograma estipulado para a ampliação da BR 101 no trecho, por pelo menos mais 16 anos o que restou do Cemitério de Santa Rosa permanecerá no local. Mesmo que a duplicação sepulte os túmulos restantes, permanecerão as lendas e mistérios que a região envolve. Na dúvida, melhor não aceitar dar carona caso alguém peça à margem da rodovia em Mimoso do Sul.
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