Para além dos ovos de chocolate, a Semana Santa no Espírito Santo é acompanhada do desejo de torta capixaba. O prato, símbolo da cultura regional, é uma tradição de mais de 400 anos. De forma geral, a torta é feita utilizando os ingredientes bacalhau, palmito e frutos do mar — mas será que é possível falar em uma receita que seja da "verdadeira e única torta capixaba"?
Sobre o assunto, o historiador e chef de cozinha Fernando Santa Clara afirma que a torta é um prato identitário dos capixabas e que, ao pensar nela, logo vem à mente os mariscos. De antemão, o especialista explica que existem vários tipos diferentes de torta capixaba no Estado.
A origem remonta aos portugueses, importantes formadores da cultura brasileira. Em especial, aos portugueses católicos, que diziam que em dias santos não se podia comer carne vermelha. "Na data, é necessário fazer uma série de adaptações, ajustes, para comer abrindo mão desses ingredientes ligados ao pecado. Já se consomem tortas de mariscos, de frutos do mar, em Portugal, há muito tempo. Então esse prato ganha nuances capixabas porque é adaptado com ingredientes daqui", destacou, em entrevista à Rádio CBN Vitória.
Com o tempo, no entanto, em vez do consumo local do prato em todos os feriados religiosos, a torta passa a ser servida, de forma geral, na quaresma. "E a quaresma acaba sendo reduzida à quinta, sexta, sábado, os dias santos que antecedem a Páscoa, além do próprio domingo de Páscoa. Hoje vemos isso de forma mais intensa na Sexta da Paixão. E nesse período é muito comum que as pessoas tirem a quinta-feira para produzir as tortas, às vezes já as assando, para consumi-las na sexta", acrescentou.
Questionado sobre os ingredientes originais da torta capixaba, se seriam, necessariamente, palmito, camarão e bacalhau, Fernando Santa Clara indica que não, já que é importante ressaltar que os primeiros registros desse prato são justamente que ele traz diferentes ingredientes.
"E o prato só recebe o nome de torta no século XIX. Em comum, é possível dizer que as diferentes tortas capixabas têm o uso de frutos do mar. Mas a busca por uma coisa local, que identifique a região de Vitória como tendo o prato inicial, acaba sendo incipiente, sob o ponto de vista de que é um prato com muitas leituras diferentes e não uma única. Sabemos que é uma tradição religiosa portuguesa, mas ao longo da história há configurações diferentes, inclusive porque as famílias preparam de formas distintas", ressaltou.
Para o estudioso, não é possível cogitar que houvesse uma torta capixaba antes da chegada dos portugueses. "Não havia nada parecido com a torta, o que havia parecia muito mais com a moqueca. É somente com a chegada dos portugueses e com o uso dos ovos na base das preparações que se passa a ter a formação dessas tortas propriamente ditas. No caso do Estado, o palmito vem para agregar como ingrediente local e o conjunto de frutos do mar utilizado é dos que estão à disposição", disse.
O historiador reforça que o que dá a consistência da torta capixaba é o ovo na massa, já que o termo torta precisa ser algo que se corta. "Se só misturar os ingredientes, pode até ficar delicioso, mas não haverá aspecto de torta, vira um cozido, não tem firmeza, estrutura. Os portugueses têm hábito de trabalhar com ovos em vários pratos, produzem muitas tortas, não só de frutos do mar. A base das tortas portuguesas é o ovo e é ele que as diferencia de outros cozidos", pontuou.
E afinal, assim como a moqueca capixaba, a torta também deve ser servida na panela de barro? Para o historiador, servi-la na tradicional panela é uma característica apresentada na Capital. No entanto, sempre existiu preparação da torta também no interior do Estado, servida em um tabuleiro.
"Também na Ilha das Caieiras, em Vitória, até a década de 90 não se usava panela de barro para a torta, mas tabuleiro, como no interior. É possível usar panela de barro, mas não necessariamente. Inclusive, os tabuleiros tradicionalmente rodavam entre vizinhos, fazendo com que o consumo fosse além do ato de não comer carne vermelha na quaresma, mas que estivesse ligado à união, troca, partilha. E isso fazia com que, muitas vezes, o vizinho reconhecesse a torta do outro. Há quem coloque cominho ou quem triture os ingredientes em vez de picar", afirmou.
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