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Como a descoberta do ouro no Brasil fez a história do ES se esconder

Como a descoberta do ouro no Brasil fez a história do ES se esconder

Servindo como escudo formado de Mata Atlântica, hoje chamado pelos historiadores de "barreira verde", que separava o mar das minas, assim começou a história do ES

Publicado em 6 de julho de 2021 às 15:48

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Reservas naturais preservam Mata Atlântica
Durante corrida do ouro em Minas Gerais, Espírito Santo esteve cercado pela Mata Atlântica para inibir contrabando. (Reprodução/ TV Gazeta Sul )

Movimento, expansão e corrida do ouro: em Minas Gerais o mineral foi encontrado no século XVI. Mas no que isso pode ter impactado o crescimento deste Estado vizinho? As terras capixabas não desfrutaram dos recursos empregados nas minas, nem sequer da riqueza que eclodiu à época. Servindo como escudo formado de Mata Atlântica, hoje chamado pelos historiadores do período de "barreira verde", que servia para separar o mar das minas, assim começou a ser construída a história do Espírito Santo, de modo a escondê-lo do restante da colônia portuguesa.

Remontando ao Brasil colonial, o Espírito Santo já começou em descompasso. Vasco Fernandes Coutinho, donatário da terra, não contava com muitos recursos financeiros, estando mais para um herói de guerra que foi agraciado pela majestade colonizadora com uma capitania. Logo que ele foi se instalando, problemas foram brotando.

Vasco Fernandes Coutinho
Estátua de Vasco Fernandes Coutinho. (Manoel Goes)

Segundo conta o historiador Adilson Vilaça, também secretário de Cultura de Colatina, município ao Noroeste do Estado, os percalços tiveram início com o mau relacionamento com os indígenas locais. "Em uma viagem que Vasco fez a Portugal, nobres da família Borges tomaram conta, sendo dois deles condenados em Portugal por crimes no Oriente. Eles queriam achar ouro a todo custo, e para isso torturaram os índios. Quando Vasco chegou, a vila do Espírito Santo estava destruída e os brancos precisaram se refugiar na região de Santo Antônio, bairro de Vitória", iniciou.

Com os constantes conflitos, ficou cada vez mais difícil fazer movimentos de entrada na capitania, sendo que sempre havia grupos de índios por aqui. Juntando este fator com os escassos recursos financeiros, o interior foi ficando intocado. "E com a chegada do período aurífero, os bandeirantes de São Paulo passaram pelo Estado e então chegaram às minas. E o Espírito Santo continuava separado por mata atlântica, sem comunicação quase nenhuma com outras partes do Brasil", acrescentou.

Quando chegou o período de extração de ouro em grande quantidade, o mineral deveria ser levado para Portugal, logo, deveria sair de um porto. Como no Rio de Janeiro ficaria muito visado, pensou-se em Vitória.

"Nessa época foram feitas sete fortificações aqui, sendo que hoje só sobrou o forte São João, em Vitória. De qualquer forma, os portugueses não fizeram a estrada que ligaria Vitória ao sertão das Minas, e foi tomada outra opção. A baía de Paraty era mais segura e não tão visada quanto a da Guanabara, também no Rio de Janeiro, o que daria muita segurança ao transporte do minério. Portugal optou pelo porto de Paraty. Por aqui, ficou estranho: com fortificações, mas sem caminho para as minas", acrescentou Vilaça.

Forte São João, em Vitória
Forte São João, em Vitória. (Secult | ES)

Já para o historiador e comentarista da CBN Vitória Fernando Achiamé, é possível dizer que as reiteradas proibições para se penetrar no interior da capitania existiam de acordo com o ditado da época: "Onde há muitos caminhos, há muitos descaminhos (contrabandos)".

"O ouro e os diamantes deviam ser escoados para Portugal, sob severa vigilância militar, pela Estrada Real, que de início terminava no porto de Paraty (Caminho Velho) e depois foi direcionada para a baía da Guanabara no Rio (Caminho Novo). Então a barreira natural aqui consistia de matas densas, com índios inamistosos e animais ferozes. Era uma proteção", explicou.

"EXISTIRAM ATAQUES PORQUE ACHAVAM QUE AQUI TINHA OURO", DIZ HISTORIADOR

A escolha do Porto de Paraty não ficou clara para todos. Por este motivo, a cidade de Vitória foi atacada algumas vezes, porque havia quem achasse que o ouro saía daqui. Com o passar do tempo, foi ficando nítido que no Espírito Santo não havia ouro nenhum.

Aspas de citação

A cidade de Vitória foi atacada algumas vezes, porque alguns imaginavam que o ouro saía daqui, por parecer o caminho mais perto. Houve batalhas na capitania, inclusive a de Maria Ortiz, e descobriram que aqui era uma vila pobre. E permanecemos assim na história. Não tinha estrada para as minas e o ES se tornou esse escudo verde, com ou sem intenção, que separava o mar das minas

Adilson Vilaça
Historiador
Aspas de citação

Para o historiador Achiamé, quando no final do século XVIII o ouro foi acabando em Minas Gerais, as referidas proibições não faziam mais sentido e caducaram. Já no início do século XIX houve um movimento contrário, de incentivo às ligações por rios e estradas entre o Espírito Santo e Minas.

ECONOMIA LOCAL

Na época em que o Espírito Santo funcionava como barreira verde, a economia das regiões mais abastadas, como o Sul do Estado, em que havia uma densidade populacional maior, era sustentada pela produção de açúcar, aguardente, farinha de mandioca, entre outros. Para o historiador Fernando Achiamé, a maioria dos artigos era produzida em pequena escala e consumida localmente.

"A economia capixaba no decorrer do século XVIII consistia na produção de açúcar e aguardente, em quase todas as regiões habitadas pelos colonizadores, mas em especial no litoral de Itapemirim, além da produção de farinha de mandioca em todas as regiões litorâneas, sobretudo em São Mateus; também na pesca para consumo local; na produção de panos grosseiros para vestir os escravizados e como sacaria; no tabuado e outras peças de madeira; nos mantimentos da chamada lavoura branca, como milho, feijão, arroz, cebola, hortaliças. Os excedentes eram exportados para fora da capitania, caso do açúcar, aguardente, madeira e farinha", afirmou Achiamé.

Segundo Adilson Vilaça, o contraponto e maior ciclo de riqueza do Espírito Santo foi a derrubada da Mata Atlântica, momento em que os empresários passaram a ganhar dinheiro. "Colatina teve uma vila inteira que era de uma serraria, virou uma grande indústria de beneficiamento de madeira. Entre 1930 e 1960 foi o fim da mata, sobrou muito pouco. Com o término do ciclo de extração de madeira, o Estado entra em uma fase difícil para iniciar a industrialização", continuou Vilaça.

Sob uma perspectiva mais otimista, Achiamé afirma que a barreira verde, com medidas proibitivas de se ocupar o interior da capitania, teve impacto no crescimento local, que ficou restrito ao litoral capixaba, como aos territórios de São Mateus, Santa Cruz, Reis Magos (depois Nova Almeida), Serra, Vitória, Vila Velha, Guarapari, Reritiba (depois Benevente, atual Anchieta) e Itapemirim.

"Mas, por outro lado, as medidas de defesa em Vitória contribuíram para garantir que a capitania do Espírito Santo sobrevivesse como ente político distinto. Na extensa costa entre as cidades de Salvador e Rio de Janeiro, as duas capitais da Colônia brasileira, somente a capitania do Espírito Santo sobreviveu com identidade política própria - as antigas capitanias de Ilhéus e Porto Seguro foram incorporadas pela Bahia, e a extinta capitania de São Tomé (Campos dos Goytacazes) foi assimilada pelo Rio de Janeiro", pontuou o comentarista.

TRANSIÇÃO PARA UM ESTADO MAIS MODERNO

Por servir de escudo, o crescimento local foi impactado. No século XIX, deu-se a grande onda de imigrações da Europa para o Brasil, com a chegada de italianos e alemães, principalmente.

"O pomerano que se fala aqui, nos estados do Espírito Santo e de Santa Catarina, na Europa sumiu. No ES, chegavam os italianos em Anchieta e eram levados para "Arraial de Santa Maria", que era Colatina. Mas, para isso, era necessário atravessar mata, usar canoa, dificuldade tremenda, para, do outro lado, encontrar indígenas furiosos. Foi uma proeza gigantesca, muitas famílias morreram ou cometeram crueldades contra indígenas. Mas precisavam colonizar o local. Então o que aconteceu 2, 3 séculos antes em outras capitanias, aqui começou no século XIX, com expansão da população para o interior", contou o secretário de Cultura de Colatina.

Em resumo, o atraso, em especial na interiorização, continuou durante muito tempo. Segundo Vilaça, somente em 1928 foi inaugurada a ponte sobre o Rio Doce. "Para chegar na parte Norte do Estado era necessário ir de navio. E no interior não havia nada além de muitos índios, alguns bastante agressivos. A derrubada da mata só começa na década de 30, com a construção de estradas como a de São Domingos do Norte a Colatina", disse.

Rio Doce, na altura da Ponte Florentino Avidos, em Colatina, no Noroeste do ES
Vista moderna para o Rio Doce, na altura da Ponte Florentino Avidos, em Colatina. (Reprodução | TV Gazeta Noroeste)

DESCOMPASSO HISTÓRICO ATÉ OS DIAS DE HOJE?

Para alguns historiadores, como é o caso de Adilson Vilaça, até hoje o período de escudo verde traz impacto ao desenvolvimento das terras capixabas, deixando o Estado para trás de outros da região Sudeste do país.

"No Norte e Noroeste do ES, acabada a madeira, muita gente foi embora. Na década de 60 as empresas vão para o Norte do país, por exemplo com migração de capixabas para Rondônia e não há desenvolvimento sem gente. Faltava população para fazer o Estado crescer", afirmou o especialista.

A partir dos anos 70, as coisas começam a mudar no cenário local. O Espírito Santo começa a ter um sólido projeto de industrialização, com implementação dos grandes projetos na área da Grande Vitória, como o porto de Tubarão, a Aracruz Celulose e depois a Samarco. Apesar do atraso inicial, o Espírito Santo cresce a cada dia.

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