Fantasmas, portas que abrem e fecham sozinhas, sons de passos, barulhos e gemidos agonizantes e até passagens secretas. Essas são algumas das várias lendas que rondam o Palácio Anchieta, atual sede do governo do Espírito Santo, que já foi uma igreja, um colégio jesuíta e casa de governadores.
Para além dos bastidores religiosos e políticos que rondam o casarão histórico com mais de 467 anos no Centro de Vitória, as histórias das assombrações são as mais famosas, sobretudo entre quem trabalha ou já trabalhou no palácio.
A lenda mais conhecida e temida é a do fantasma do padre José de Anchieta, sepultado em 1597, na igreja do colégio jesuíta São Tiago. Escavações localizaram o túmulo dele, dentro do prédio, e atualmente o local é aberto para visitação. Os ossos não estão mais lá, mas reza a lenda que o fantasma dele anda pelos corredores e bate as portas mesmo trancadas.
Dona Hilda Cabas, que trabalhou por 32 anos no palácio como administradora e chefe do cerimonial, lembra que entre todas as histórias essa era a mais temida pelos funcionários.
Ela recorda que, num certo dia, há alguns anos, todos os trabalhadores da parte térrea correram no entardecer para a parte de cima do palácio e fecharam todas as portas de entrada. Eles ficaram apavorados falando que viram o fantasma do padre lá em baixo.
Hilda afirma não ter visto o fantasma camarada durante os anos no palácio, mas acredita nas histórias dos antigos colegas de trabalho. Muitos contavam isso. Tanto é que, apesar de nunca ter visto, acabo contando também, comenta.
O fenômeno das portas que se abriam e fechavam sozinhas também era atribuído ao fantasma do religioso. Eu já vi portas abrirem sozinhas, mas não sei o que era, pode ser o vento. Mas tem quem jurava de pé junto que era o padre passeando pelo palácio, conta a ex-cerimonialista.
BARULHOS E GEMIDOS DE ESCRAVOS
Outra lenda famosa é a que, durante a noite, ouvem-se barulhos e gemidos agonizantes de escravos e correntes sendo arrastadas pelos corredores.
Esses sons, segundo dona Hilda, eram de tom surdo. Ela afirma que os ouvia às vezes, mas não acredita na lenda. Isso aterrorizava o pessoal da cozinha, que pensava que eram pessoas que já passaram por ali voltando como fantasmas, lembra.
Para a ex-funcionária, a causa dessa lenda seria o Porto de Vitória, que fica em frente ao prédio. Esses sons de correntes seriam pela ancoragem dos navios.
Esse som era meio surdo, realmente lembrava o de corrente. Mas acho que é o cais. Quando os navios chegavam e desciam a âncora, ela batia no fundo do mar, e isso causava um certo estrondo, que mais a noite realmente dava medo, explica.
LUZ MISTERIOSA NO FIM DO CORREDOR
Hilda Cabas, que trabalhou no Palácio Anchieta do governo de Gerson Camata até o início da gestão atual de Paulo Hartung, contou ainda uma experiência que ela viveu, mas que nem sempre costuma falar.
Ela afirma ter visto em duas ocasiões diferentes uma luz forte misteriosa no fundo do corredor, saindo de um dos quartos. A primeira vez foi no mandato de Max Mauro.
Eu tinha perdido meu filho de 39 anos e estava passando por um momento difícil, andando bem triste. Nesse período eu ia para a biblioteca do palácio e ficava lá um pouco. Um dia, já de tardinha, eu saí da biblioteca e vi a luz, que vinha de um dos quartos com a porta entreaberta. Eu fui até lá, mas quando cheguei estava tudo escuro e não tinha luz nenhuma.
Dona Hilda, porém, que não sentiu medo diante da situação. Quando eu me aproximei da luz, mesmo ela não existindo, senti um alívio muito grande, uma coisa boa dentro de mim, como se fosse uma luz feita para mim, para me dar conforto naquele momento.
Alguns anos depois, ela afirma ter visto a luz novamente. Teve um dia que eu estava aborrecida no trabalho com algumas coisas que tinham acontecido e vi a luz de novo no fundo do corredor. Eu a segui, pensando que fosse um quarto com a lâmpada acesa, mas novamente não era nada. Não sei explicar se era sobrenatural ou não, mas eu vi, recorda-se.
Apesar das histórias, a ex-funcionária se lembra com carinho e saudades do antigo local de trabalho, o qual considerava sua casa com tantos anos de dedicação.
São muitas as lembranças de lá, todas boas. Tenho saudades, inclusive. Eu chamava de meu casarão, de tanto que gostava. Quando jogaram pedras nele naquele protesto, chorei copiosamente. Era um ambiente que eu gostava de trabalhar. Saí de lá com muita pena, diz Hilda.
Apesar de contar todas as lendas, ela minimiza. É um casarão antigo, com mais de 400 anos. Não iria ter graça se não tivesse nenhuma história de fantasma e assombração. Se tinha mesmo, eu não sei, talvez era minha cabeça que não estava boa. Mas as histórias existem.
LENDA DE TÚNEIS DEIXA HISTORIADORES CURIOSOS
Outra lenda que até hoje deixa curiosos historiadores do Espírito Santo é a dos túneis no Palácio Anchieta. Eles ligariam o local a vários pontos próximos da Cidade Alta, como a Catedral Metropolitana, antiga matriz, e ao cais que existia no período colonial.
Essas passagens subterrâneas seriam feitas para fuga, em caso de invasões, e para esconder ouro. Mas até hoje nada foi comprovado pelos estudiosos sobre a real existência delas.
Dona Hilda Cabas atesta que as passagens secretas existem, mas nunca conseguiu uma comprovação. Ela lembra que, quando criança, brincava no pátio da escadaria, que tinha uma porta misteriosa que ninguém sabia onde dava.
Teve uma reforma antiga na escadaria do Palácio que eu insisti com a secretária que organizou tudo para fosse feito uma pesquisa para mostrar onde eram os túneis e se eles realmente existiram e ainda existem, mas não deu certo, conta.
Ainda assim, ela acredita nas passagens, sobretudo as que ligam o palácio ao porto. Eu acredito porque lembro que meu pai e meu cunhado eram do antigo Partido Integralista, que na época da guerra viveu uma caça às bruxas. E eles contaram que esconderam os documentos do partido nesse túnel perto da escadaria. Então alguma passagem havia.
Na época do Brasil Colônia, até o século XIX, e da busca por ouro em Minas Gerais, o Espírito Santo era usado para barrar invasores que quisessem chegar às jazidas de ouro. As duas capitanias eram uma só nessa fase. Tanto que o Estado foi chamado de Barreira Verde, já que era isolado e não tinha estradas que ligassem às Minas.
O Estado era vulnerável a invasões pelo mar. Os invasores entravam de navio na região costeira para tentar chegar ao ouro, afirma o historiador Gabriel Bittencourt.
Um desses túneis ligaria o Palácio Anchieta, que na época da colônia era o Colégio Jesuíta São Tiago, ao cais onde hoje é a Rua General Osório, no Centro da capital. As fugas então se davam direto ao mar, onde os Jesuítas correriam menos risco, já que não precisavam passar pela superfície.
Na época, Vitória não tinha um porto, mas barcos pequenos chegavam por este cais. A água batia onde hoje é a Avenida Jerônimo Monteiro, em Vitória. As ruas dali são todas aterradas hoje, afirma Bittencourt.
OUTRAS PASSAGENS
Um dos túneis realmente fora visto e era usado no início do século passado para canalização de esgoto do Palácio Anchieta. De acordo com um estudo do historiador Renato Pacheco, datado de 1998, esta passagem teria sido usada pelo construtor Justin Norbert, em 1900, para este fim. Esse construtor foi contratado para dar a aparência atual do Palácio Anchieta.
Outra passagem subterrânea ligaria Rua Nestor Gomes, onde hoje há um jardim e esculturas, à Catedral Metropolitana, na Cidade Alta. Ele também daria acesso à antiga Matriz e ao Convento do Carmo. O objetivo desse túnel também seria a fuga. Um quarto túnel ligaria ao Convento São Francisco, pela Rua Francisco Araújo.
Professor do século passado que escreveu um artigo falando da história dos túneis, Adolfo Oliveira contou que encontrou uma passagem obstruída no Convento São Francisco, também na Cidade Alta, que poderia ser para este túnel. Segundo a lenda, a passagem escondia armadilhas perigosas e letais, feitas pelos jesuítas. Essas armadilhas matavam quem entrasse nesses locais.
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