Destino de muitos alemães durante o século XIX e início do século XX, o Espírito Santo fez parte dos planos colonialistas de Adolf Hitler durante o Terceiro Reich, entre 1933 e 1945, quando governou a Alemanha. O "führer" chegou a enviar, em 1936, uma equipe de médicos nazistas para o Estado, a fim de atestar a pureza da raça alemã entre os imigrantes que se estabeleceram nas montanhas capixabas.
A missão dos nazistas, contudo, não era "invadir" o Espírito Santo, mas, sim, saber como se portavam os alemães em regiões de clima tropical. A ideia era verificar se os alemães manteriam sua "germanidade" termo que era utilizado na época em ambientes mais quentes. O estudo era considerado essencial para os planos de Hitler de retomar as colônias que os alemães perderam na África, após a Primeira Guerra (1914-1918).
O registro do período foi feito pelo pesquisador da Casa Oswaldo Cruz/Fiocruz André Felipe Candido da Silva, a partir das cartas trocadas entre dois médicos da equipe enviada por Hitler, Ernst Nauck e Gustav Giemsa, com o médico brasileiro Rocha Lima.
Em cerca de dois meses, eles estiveram nos municípios de Domingos Martins, Laranja da Terra, Santa Maria de Jetibá, Baixo Guandu e Santa Leopoldina. "O Espírito Santo foi escolhido para a visita por concentrar um grupo de imigrantes alemães isolados por fatores geográficos, os quais teriam desfavorecido a miscigenação com a população local e, por isso, teriam mantido as características biológicas e culturais originais. Para os nazistas, as colônias germânicas do sul do Brasil eram muito miscigenadas com outras 'raças'", explica o pesquisador.
A equipe chefiada pelos médicos Nauck e Giemsa chegou primeiro no Porto de Santos, em São Paulo, onde foram recebidos pelo adido da Embaixada Alemã e chefe do Partido Nazista no Brasil, Hans Henning von Cossel. Na época, o nazismo era uma ideologia que ganhava alguns adeptos no país. O próprio presidente brasileiro do período, Getúlio Vargas, mantinha simpatia pela Alemanha hitlerista.
Em Vitória, os médicos nazistas foram recebidos pelo interventor nomeado por Vargas para governar o Estado, João Punaro Bley. O Brasil naquele período vivia a ditadura do Estado Novo e os Estados não elegiam seus governadores, que eram nomeados pelo presidente.
A primeira parada da expedição foi em Santa Teresa, onde se instalaram e de lá partiram para outras regiões para coletar amostras de fezes e sangue dos colonos alemães. Segundo Candido da Silva, as cartas demonstram a visão preconceituosa que os cientistas alemães tinham dos outros povos brasileiros.
"O pressuposto da investigação era de que a raça alemã era superior às demais. Com isso, havia uma visão desabonadora dos 'não-alemães', principalmente dos afrodescendentes. Ao recuperar o histórico de uma das famílias capixabas, um dos indivíduos foi descartado pois tinha casado com uma negra. A proximidade dos colonos com 'luso-brasileiros' também era vista como um risco", relata o pesquisador.
Outro fator que foi considerado positivo pelos nazistas era a proximidade que os colonos mantinham com a "pátria-mãe". Nas ruas de comunidades como Campinho, em Domingos Martins, e em Santa Maria de Jetibá, a língua alemã e o pomerano eram mais faladas do que o português. Além disso, havia o costume de se ouvir estações alemãs nos rádios da época.
Além dos aspectos biológicos e culturais dos colonos alemães, Nauck e Giemsa também estudaram a economia local. Eles destacaram o papel da cultura cafeeira, mas advertiram em seus relatórios sobre a vulnerabilidade que esta dependência acarretava.
Eles também condenaram o desmatamento que a expansão do café produzia e defenderam métodos mais sustentáveis do cultivo. Sobre a saúde dos imigrantes, os pesquisadores concluíram que o "povo alemão respondia de forma positiva à questão da aclimatação" e que era "possível a manutenção das boas características da 'raça alemã' em terras tropicais".
A visita dos médicos nazistas ao Espírito Santo ainda é pouco estudada pelos historiadores capixabas. A descoberta foi feita durante a tese de doutorado de André Felipe Candido da Silva, em 2011. Ainda assim, há lendas e histórias orais que se assemelham com os relatos das cartas de Nauck e Giemsa.
Professor aposentado e pesquisador da imigração alemã em Domingos Martins, Joel Velten lembra de uma história contada pelos mais antigos, de pesquisadores que estiveram em Pedra Azul em um período similar ao dos nazistas. "Não há registros, mas há uma história oral de pesquisadores da Alemanha que estiveram aqui para analisar o clima. Foi a partir deles que surgiu essa história de que Pedra Azul tinha um dos melhores climas do mundo", conta.
O nazismo, segundo Velten, ainda traz medo para os imigrantes alemães da região. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as línguas alemã, italiana e japonesa, dos países que integravam o Eixo, foram proibidas no Brasil, o que gerou uma grande mudança para a comunidade que, apesar de viver no país, mal sabia falar o português.
"Eu nasci em 1948 e escutava as histórias dos meus pais e tios sobre a perseguição da polícia de quem falasse alemão nas ruas. Muitos pastores luteranos de Domingos Martins, que até a década de 1980 eram todos nascidos na Alemanha, foram presos, levados para o quartel da polícia em Vitória. Havia até uma anedota, na época, em que alguém abastecia no posto de Campinho e agradecia ao frentista dizendo danke schön (obrigado, em alemão). Um guarda se aproximava e ameaçava a prender e o sujeito se defendia: não, eu não falei alemão, apenas disse que o tanque tava cheio', já que tem pronúncia parecida, lembra Velten.
Os alemães compõem a segunda maior fatia de imigrantes que vieram morar no Espírito Santo, com um registro de 4.866 pessoas que chegaram nos portos capixabas durante o século XIX e XX. Eles só ficam atrás dos italianos, que tiveram 36.666 imigrantes desembarcando por aqui. No total, segundo dados do Arquivo Público do Espírito Santo, o Estado conta com 54.155 imigrantes que chegaram em navios para morar em terras capixabas.
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