Ele é pequeno, tem 18,3 mil habitantes e fica no Sul capixaba. Ela já é quase sete vezes maior, abriga 124,5 mil moradores em seu território e está localizada no Noroeste. Quem conhece as cidades de Muniz Freire e Colatina, que ficam 205 quilômetros distantes uma da outra, pode pensar que a única semelhança entre elas é mesmo o café, principal atividade econômica de ambas.
Poucos sabem, no entanto, que as duas figuras homenageadas no nome dos municípios formavam um casal importante no Espírito Santo no fim dos anos 1880 e início do século 20.
Ele, José de Melo Carvalho Muniz Freire, nascido em Vitória em 1861, foi vereador da Capital, deputado estadual e federal, senador por dois mandatos e governador do Estado (na época o título era de presidente da província), entre 1892 e 1896 e depois de 1900 a 1904.
Ela, Colatina Soares de Azevedo, nasceu três anos depois, em 1864, em São Paulo, neta do barão de Paranapanema, pertencente portanto a uma família influente naquela província. A jovem bela e católica tradicional tinha boa formação educacional.
Muniz Freire e Colatina se casaram em 28 de janeiro de 1882 e tiveram 10 filhos: Izilda, José de Mello Carvalho Muniz Freire Filho, Alarico, Átila, Genserico, Olga, Dora, Ragadázio, Manoel e Ilma, segundo informa o site da Prefeitura de Colatina.
Nos acervos históricos do governo capixaba, não há documentos ou registros que contam como o casal se conheceu ou que informam detalhes do relacionamento; tampouco há fotos de marido e mulher juntos.
Uma das poucas intimidades do casal é contada pela revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), que em 1961 publicou uma edição em homenagem ao centenário de Muniz Freire, com um discurso de José Paulino Alves.
Dona Colatina tinha uma medalhinha da Virgem, medalhinha toda de ouro maciço, presente da avozinha dela. Quando o doutor Muniz Freire viajava, fazia questão que levasse consigo essa peça de metal, intrínseca e extrinsecamente preciosa, para o proteger, diz o registro do IHGES.
Diante da fé e do cuidado da esposa, o político nunca hesitou em levar o amuleto e, quando voltava das viagens, que segundo a publicação eram quase sempre de curta duração, sempre devolvia a peça grato e sorridente.
A revista, à época, lembrou uma das poucas vezes que o ex-governador partiu para uma viagem e esqueceu-se da medalhinha. Sem citar o ano, José Paulino Alves contou que durante inspeção às obras da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, uma das iniciativas do seu governo, Muniz Freire não se lembrou de pedir o objeto.
Esquecera-se de pedir a medalhinha... já quando se encontrava no Cais do Imperador, para tomar o barco que o devia transportar ao continente, eis que lhe vem à lembrança: E a medalhinha?. Mas Dona Colatina não houvera esquecido: trazia-a consigo. Entregou-lhe. E, beijando-a com enternecido afeto, o Dr. Muniz Freire modalizou a voz na inflexão necessária à ênfase do que dizia: És santa, Colatina! Santa Colatina, sem dúvida!, diz o texto.
FORMAÇÃO
Muniz Freire era interessado pelo jornalismo, mas se formou pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1881, onde, ao que tudo indica, conheceu Colatina e com ela se casou, em 1882. Ele vinha de uma família de políticos e era filiado ao Partido Liberal, assim como seu pai, avô materno e primo.
Em um resgate a memória da topônima, a Prefeitura de Colatina conta em seu portal que a jovem, ainda solteira, já dominava os idiomas alemão, francês e italiano, além de possuir talento e voz singular no canto.
Também aprendeu música com um dos maestros mais famosos da época, Girondon, e participou cantando de muitos saraus nos palácios em São Paulo, na administração do então governador (presidente do Estado) Florêncio de Abreu, diz o texto.
Já casado, ele ocupou seu primeiro cargo público em 1882, quando foi eleito vereador de Vitória e, posteriormente, deputado provincial (estadual), cargo que ocupou até 1889, quando conquistou o posto de deputado federal.
Exatos 10 anos após iniciar sua trajetória política, Muniz Freire tomou posse como presidente do Estado em 3 de maio de 1892, após ser eleito pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo. As principais obras de seu governo, segundo teses de mestrado e doutorado de historiadores capixabas, foram melhorias urbanas na Capital e a Estrada de Ferro Sul.
A historiadora Maria da Penha Smarzaro Siqueira, ao contar o desenvolvimento do Porto de Vitória em livro, ressaltou que o governo Muniz Freire foi responsável por endividar o Estado, apesar de coincidir sua gestão com um período de euforia econômica capixaba devido ao aumento das exportações cafeeiras e à alta da receita por causa do imposto de exportação.
Já o historiador Leandro do Carmo Quintão, em sua tese Oligarquia e Elites Políticas no Espírito Santo: a configuração da liderança de Moniz Freire, lembra que, apesar do fato, o personagem-título teve alta popularidade, tendo quase conseguido, com a ajuda dos deputados estaduais, a aprovação de uma emenda constitucional que garantiria sua reeleição. Apesar do fracasso, saiu do primeiro mandato com extrema popularidade e, como principal oligarca do Estado, à frente do Partido Republicano Construtor, narra.
Ele retornou ao governo do Estado em 1900, quatro anos depois de deixá-lo, ocupando o posto de presidente até 1904. Após o novo mandato, ainda foi senador pelo Espírito Santo por duas legislaturas, entre 1905 e 1914, quando faleceu no Rio de Janeiro.
HOMENAGENS
O ex-governador foi homenageado em 1986, quando o povoado de Vila do Espírito Santo do Rio Pardo foi elevado a município e passou a se chamar Muniz Freire.
Nos registros antigos, o político era chamado ora de Muniz, ora de Moniz Freire. No entanto, na época de criação do município do Sul, predominou nos acervos a primeira versão, fazendo com que esta seja a mais usada ainda hoje para se referir a esse importante personagem da história capixaba.
Apesar de a data de falecimento de Colatina não ser revelada pelos documentos históricos, em 1899 ela foi homenageada com o nome à Vila de Colatina, decisão do então desembargador Afonso Cláudio. Em discurso, à época, ele disse: Esta homenagem à paulista, certamente, tornará próspera a futura cidade.
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