As estações do ano andam se comportando mal no universo. Antes eram quatro. Bem-marcadas e bem definidas. Mereceram poemas, canções e até a dádiva de um concerto para violino e orquestra que lhes fez Vivaldi. Dava gosto molhar-se com alguma súbita chuva no verão, andar sobre grama coberta de folhas amareladas no outono, enrolar-se em um casaco felpudo no inverno, cheirar uma rosa na primavera.
Hoje tudo se foi. As estações climáticas, que marcavam pontualmente a inclinação axial da Terra em seu destino de rodopiar em torno do Sol, estão transtornadas. Com esse transtorno, as criaturas que andam, nadam e voam sobre o planeta estão enlouquecendo. As abelhas se acomodam em canos de ferro dos postes; os pássaros desaprendem o modo de cantar; os ursos não acham cavernas de gelo para abrigo; os corais empalidecem; as algas definham e envenenam as águas; as florestas somem mais rápido que a passagem do vento, e com elas somem as espécies de vida animal que as povoam.
Sem falar que existem bilhões de habitantes sobre a Terra. E todos esses bilhões estão sob ameaça de desaparecimento. Este nosso planeta talvez nem mais seja mais azul, como o chamou Yuri Gagarin, cosmonauta e primeiro ser humano que o viu do espaço.
Vocês podem pensar que estou por fora ou então que estou inventando, só para citar Belchior, porque me dá gosto esse verso de “Como nossos pais”; mas a verdade é que, a partir do enlouquecimento das estações, ninguém pode mais ignorar o que está acontecendo, nem estar posto em sossego, como a linda Inês do vate Camões. A mãe Natureza anda irritada e a humanidade corre perigo quando ela se irrita. Guerras e desavenças contribuem para isso, embora os estadistas e os donos do poder no mundo continuem a sorrir e a garantir que a humanidade fraterna transformará a Terra no país do sorriso, citando o irônico poema da luminosa Wislawa Szymborska.
Citações à parte, basta sentir os fenômenos - ondas de calor excessivo, chuvas que despovoam cidades, incêndios florestais, tragédias e perdas e mortes por conta de inundações - para dizer que já não existem as certezas definidoras com que a humanidade se prevenia, se acomodava e até mesmo se deliciava, a cada mudança de estação do ano.
A hora é de pesadelo. Com todo o peso da ecoansiedade, palavra inventada pelos psicólogos para situar o medo crônico da catástrofe ambiental. Que, afinal, se desenha como um monstro, criado pela frustração e pela impotência que acometem a mente de alguns diante da ambição, da ganância e da falta de consciência de tantos.
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