Certa vez, na fila do cinema para rever “Quanto mais quente melhor”, de Billy Wilder, um de meus filmes prediletos, escutei uma trêfega senhorita, modelito academia de ginástica, referir-se desdenhosamente a Marilyn Monroe como sendo “aquela atriz gorda e velha”. Estremeci. Tal qual Simone de Beauvoir deve ter estremecido ao escutar de uma estudante americana a seguinte exclamação: “Mas, então, Simone de Beauvoir não passa de uma velha!”
Qual seria o gatilho para esse tipo desabonador de comentário? Seria a ignorância de tanta gente, a inconsequência de tantos jovens, a indiferença de tantas pessoas que fazem com que persista por tantos séculos a tradição de emprestar um sentido pejorativo à velhice?
Vocês devem lembrar do belo “A balada de Narayma”, filme de Shohei Imamura. A história se passa em um pequeno povoado japonês onde o costume é que os parentes levem os velhos ao cume de uma montanha e os abandonem ali para que morram, deixando de ser uma boca a mais para alimentar ou um peso para as famílias.
Pois, mesmo hoje, vivemos tempos parecidos. E que ninguém me venha com aquela treta de dizer que velhos não são abandonados à morte em montanhas, que isso é coisa de lendas antigas e de ficção. No caso de agora, o abandono e a morte se dão em outros termos. Nesta era em que vivemos, tudo aquilo que é considerado “velho” fica sujeito ao descarte. Aí se incluem as pessoas, como se fossem mercadorias de validade vencida, ultrapassadas, impróprias para o consumo.
Muitas vezes, não é a idade o que mais importa para o desmerecimento às potencialidades dos humanos que envelhecem. Importam os descasos, os preconceitos, a falta de atenção, o desprezo e, sobretudo, a falta de empatia e até a crueldade, como aquela revelada na fala da jovem que citei no começo. Muitas são as pragas internalizadas pelo etarismo, que é o termo usado pelo gerontologista Robert N. Butler para descrever a discriminação contra adultos mais velhos.
Nos tempos de hoje, o excessivo culto à juventude e ao corpo demanda uma constante adaptação às novidades, como ensina Gilles Lipovetsky. No entanto, a velhice pode ser pensada não apenas com base decrepitude biológica. Se é inevitável que as marcas do tempo tracem um mapa sobre a pele e causem avarias e estragos nos órgãos humanos, também é possível que as criaturas envelheçam sem perder a estrutura de afetos, sensibilidades e condições de raciocínio que formatam ao longo da vida. Muito pelo contrário. Nesses termos, existem velhos que têm 20 anos e jovens de mais de 80.
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