Outrora, nos tempos do grupo escolar, era comum a gente “dizer uma poesia”. “Dizer uma poesia” era o modo singelo que o senso comum usava para se referir à declamação de versos, dependendo da data ou da importância da comemoração. A professora escolhia alguém e a criança escolhida mandava ver no “ai que saudades que eu tenho da aurora de minha vida”; “o Brasil a forma tem de uma harpa que cicia”; “batatinha quando nasce/esparrama pelo chão/mamãezinha quando dorme/bota a mão no coração”, etc. etc.
Até hoje, o senso comum costuma chamar de “poesia” (e não de poema) um tipo específico de expressão literária textual. Não pensem que é uma condenação ao modo de fala do senso comum. O senso comum é universal. Seria tolice deblaterar contra ele. Embora o genial Nabokov o considere “o senso tornado vulgar, barateando tudo que ele toca”.
Segundo esse escritor, no outono de 1811, Noah Webster definiu o senso comum como sendo livre de qualquer viés emocional ou de sutileza intelectual. Comentar a fala do senso comum sobre o uso da palavra “poesia” é mais uma mania, uma dessas bobaginhas que, por vezes, acomete alguém que escreve literatura. De repente, dá uma vontade de pôr alguns pingos nos is. Mas é uma vontade estranha.
E é certo que, nos caminhos do pensamento humano, a estranheza e o perigo andam juntos, de mãos agarradas. Coisa fácil de comprovar, diante do tratamento dado aos loucos, aos dissidentes e aos inconformados. Qualquer piparote do costume habitual da linguagem, qualquer puxão de orelhas da doce platitude da fala, imediatamente, repõe o juízo dos questionamentos e aciona o botão do “deixa isso pra lá”.
Mas vale correr o risco para dizer que a palavra poesia não se restringe à definição de apenas um gênero literário, como é costume ocorrer na fala do senso comum que vagueia até entre entendidos em literatura. Existe mesmo uma “profissão de fé” costumeira que acredita na separação entre dois conceitos: poesia e prosa. Poesia, porém, é o modo que a escrita de alguém tem de se situar diante do mundo. Vem do termo ‘poiesis ‘que quer dizer ‘produção’. É uma palavra imensa que cobre todos os formatos de expressão textual com que a produção literária se materializa em uma língua – por exemplo: romances, contos, crônicas, poemas etc.
Não sei quanto a vocês, mas para mim, “poema” é um termo lindo. E é mais restrito e mais apropriado para nomear uma espécie de produção literária feita por poetas, esses seres que conhecem a suprema delícia de escrever sentimentos segundo certas regras e medidas, quase sempre sob a forma de versos.
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