O governo federal anunciou este mês que estuda cortar a alíquota do FGTS (de 8% para 2%), bem como reduzir a indenização por dispensa imotivada (de 40% para 20%). Segundo um texto constante em três de suas minutas de medida provisória, “a proposta de redução das alíquotas (...) não apenas reduzirá o custo da contratação de trabalhadores, como também contribuirá com a geração de novos empregos” (Valor, 14/05/2022).
Não se nega que o FGTS é um dos mais “enganosos” direitos do trabalhador. Vendido sob a narrativa de se tratar de um plus salarial, o instituto mais se assemelha a um empréstimo compulsório que uma vantagem econômica. Criado em 1967 por Roberto Campos, economista e então ministro do planejamento do governo militar de Castelo Branco, o FGTS foi a maior expressão da flexibilização da legislação trabalhista de toda a história brasileira.
Em termos extremados pode-se considerar rígida uma legislação que impede a dispensa imotivada de qualquer empregado. Antes do fundo, trabalhadores com dez anos de contrato adquiriam estabilidade definitiva no emprego. Ainda, para os dispensados antes disso, a lei garantia uma indenização equivalente a um salário para cada ano laborado.
O FGTS foi concebido para acabar com essa estabilidade decenal (flexibilizando a legislação). Sob o discurso de que o trabalhador, no ato da contratação, optaria pelo regime estabilitário ou por um acréscimo de 8% (depositado em uma conta vinculada e bloqueada), seguiu-se como se houvesse uma real vantagem ao assalariado.
Balela. Sabia-se de antemão que no longo prazo (e nem tão longo assim), essa alíquota seria absorvida pelo salário, tornando-se um nada ao trabalhador. Afinal, a única lei capaz de aumentar o valor do salário é a lei de mercado, da oferta e da procura por mão de obra. Assim que a lei entrou em vigor, os salários passaram a ser calculados incluindo-se a alíquota de 8% no bolo. Ou seja, não se aumentou o salário, tão somente 8% do mesmo bolo passou a ser destinado ao Estado.
E a escolha? Obviamente ilusória. Empresas passaram a admitir tão somente trabalhadores que optassem pelo recebimento do Fundo, afinal, não se tinha mais o “fantasma” da estabilidade, que emperrava a organização administrativa do negócio e seu valor já era aferido pelo salário+8%.
Com a Constituição Federal de 1988, tida como grande defensora de direitos do trabalho, a estabilidade decenal prevista na CLT foi definitivamente derrogada, permanecendo tão somente o regime do FGTS. Garantiu-se, ao menos, pelo ato das disposições constitucionais transitórias, a indenização rescisória (por muitos chamada de multa) equivalente a 40% do valor depositado na conta vinculada ao FGTS.
Em resumo, esses 8% do salário não representa um acréscimo, mas uma parcela que é compulsoriamente depositada em um fundo governamental, utilizado pela União para, por exemplo, construir casas populares. Aí o trabalhador, que, sem liquidez, não pode usar seu saldo para qualquer coisa, pode usá-lo (por bondade do governo), atualizado à míngua, para financiar um imóvel por juros mais altos. Parabéns, proprietário da casa própria (com financiamento da Caixa), você foi duplamente explorado pelo Estado: por emprestar com atualização irrisória e por pagar juros elevados.
Pois bem, definido o FGTS como um imenso retrocesso social, criado pela ditadura militar e que ludibriou toda classe operária, pode-se falar em vantagens ao reduzir a alíquota, como quer o atual governo?
Não. Como um sistema instituído há décadas, não dá simplesmente para eliminá-lo de uma hora para outra, sem criar uma legislação compensatória, especialmente no curto prazo. Fazendo como pretende o governo, trabalhadores amanhecerão com uma autêntica redução salarial (equivalente aos 6% que deixariam de receber), isso sem falar na confusão maliciosa de incluir na proposta uma redução da indenização rescisória, que incentiva dispensas e prejudica ainda mais o recém-desempregado.
E sem ingenuidades, ainda que a novidade não atinja trabalhadores contratados anteriormente, dada a maior facilidade em demitir, diversos trabalhadores seriam imediatamente jogados na rua para serem substituídos por mão de obra mais barata. A lei geraria empregos às custas das dispensas (saldo zero). Ok, no longo prazo o valor da mão de obra novamente tenderia a um novo equilíbrio, mas o ônus social das demissões seria gigantesco.
O problema dos atuais administradores que se julgam reformistas é que não o são. Como no clássico modelo sindical, horroroso, viciado, alimentador de pelegos, mas não dava para, como foi feito em 2017, simplesmente acabar com a contribuição compulsória. Imprescindível que houvesse toda uma nova remodelagem do sistema. A mesma conduta se exige para se por fim no pavoroso regime do FGTS: uma reforma estrutural e gradativa. Nossos “reformistas” de plantão não criam nada. Se fossem comparados a uma empresa de construção civil, limitar-se-iam a fazer a demolição, não alcançando nem sequer a terraplanagem.
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