É juiz do Trabalho, mestre em Processo, especialista em Direito do Trabalho e economista. Professor de graduação e pós-graduação da FDV. Neste espaço, busca fazer uma análise moderna, crítica e atual do mercado e do Direito do Trabalho

Quando o ativismo judicial é aceitável entre os juízes?

O ativismo judicial se refere à decisão judicial que cria uma norma para resolver um caso concreto sem que haja uma base legal preexistente específica para a situação em questão

Publicado em 12/11/2024 às 01h31

Em matéria publicada no último dia 7 pelo Estadão, foi comentado um estudo coordenado pelo professor José Pastore, da USP, sobre decisões judiciais que divergem dos postulados da reforma trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017). Segundo a matéria, o ativismo judicial foi identificado em temas sensíveis como terceirização, horas extras, prevalência do negociado sobre o legislado e concessão de justiça gratuita.

O estudo conclui que essas decisões “criativas”, contrárias ao novo texto legal, podem resultar em perdas econômicas para o país, desincentivando investimentos no Brasil e gerando prejuízos ao erário, especialmente com a concessão inadequada de benefícios de justiça gratuita.

Mas o que é, afinal, o ativismo judicial? Seria essa prática realmente vedada ou prejudicial à função judicante, nobre e essencial? Analisemos.

O ativismo judicial se refere à decisão judicial que cria uma norma para resolver um caso concreto sem que haja uma base legal preexistente específica para a situação em questão. Em outras palavras, o juiz decide onde não há lei, convenção ou contrato que ampare a situação colocada diante dele.

Conforme afirma o professor Luis Roberto Barroso (à época não era ministro do STF), o ativismo judicial tende a emergir “(...) em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva” (Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática, 2009).

Analisando o tema alguns anos atrás, concluí que o ativismo judicial é aceitável, até desejável, porém apenas em situações específicas, nas quais certos requisitos de segurança estão presentes. No meu livro “A Função Criadora do Juiz” (Mizuno, 2023), destaco os seguintes requisitos: (a) inexistência de lei; (b) violação de direitos fundamentais; (c) urgência; e (d) vedação à substituição da atividade política. Vejamos o que isso significa.

Primeiro, o ativismo só deve ser utilizado na ausência de uma lei que ampare o direito pleiteado. O processo democrático parte do princípio de que a justiça se inicia com a criação de leis pelo Congresso Nacional, que expressa a vontade popular. O juiz, portanto, não deve ser o porta-voz dessa vontade. Em regra, ao magistrado cabe interpretar e aplicar a lei. No entanto, quando o Congresso falha em dar uma resposta adequada à sociedade, o juiz pode intervir, mas deve, ainda assim, respeitar os requisitos a seguir.

O segundo requisito é que a situação desprotegida pela lei seja grave a ponto de violar (ou poder violar) direitos fundamentais, como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança, a propriedade, bem como direitos sociais, políticos e de nacionalidade.

Em casos de menor relevância, o pedido deve ser indeferido por falta de fundamento que justifique a concessão judicial. O cidadão que se sinta lesado em uma situação dessas deve, então, recorrer a seu deputado, senador ou, em matéria trabalhista, ao seu sindicato para que busquem a criação de uma regulamentação específica. Cabe ao legislativo, e não ao judiciário, preencher essas lacunas normativas.

O terceiro requisito é a urgência. Se o pedido afeta direitos sensíveis, mas não é urgente, ele pode aguardar a resposta do processo legislativo regular. Não é função do judiciário legislar.

Justiça
Justiça. Crédito: Pixabay

Por último, e não menos importante, o judiciário deve abster-se de discutir questões exclusivamente políticas. Não é uma casa política; juízes não são eleitos. Sendo uma instituição técnica, seu papel limita-se a interpretar o ordenamento jurídico, não a impor ideologias ou posicionamentos políticos sobre o direito positivo.

Assim, a inquietação quanto ao “ativismo judicial” é justificada somente quando a decisão viola os requisitos de segurança expostos acima, quando ignora uma lei para defender um ideal, ou age em defesa, ainda que indireta, de meras opções políticas desse ou daquele viés, sob a falácia de que se está aplicando a justiça (conceito abstrato).

Se respeitados, o ativismo judicial pode ser válido. Contudo, vale lembrar que o juiz no Estado moderno não é mais apenas a “boca da lei”, como na época de Napoleão. Sua função, embora possa desagradar, é interpretar a lei e, quando necessário, preencher lacunas, desde que com prudência e limites claros, sob pena de violar gravemente o princípio republicano e a democracia.

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