Ao liberar o acesso aos diálogos travados entre o então juiz Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol, no âmbito da Operação Lava Jato, com a retirada do sigilo do material apreendido na Operação Spoofing, o ministro Ricardo Lewandowski escancara as entranhas do Sistema de Justiça. Expõe as vergonhosas e espúrias relações que, por vezes, ocorrem no submundo de um sistema que teria, por sua natureza, a responsabilidade de se constituir espaço pleno de justiça, de imparcialidade e de moralidade.
Não fosse o ocorrido, decorrente de um processo que envolve um dos mais polêmicos casos da política e da economia brasileira, com repercussão internacional, que agitou a vida da nação ao ponto de ter causado inimagináveis divisões e rupturas que abalaram, destruindo ou favorecendo empresas, instituições e relacionamentos, movimentando bilhões de dólares e mexendo com as emoções e o imaginário social dos brasileiros, criando uma polarização entre os que amam cegamente e os que defendem incondicionalmente o ex-presidente Lula, e o assunto poderia ser objeto de uma análise jurídica e ética das mais relevantes à construção da doutrina jurídica brasileira, bem como material rico para utilização em diversos escopos analíticos, seja na academia, seja nos diálogos do cotidiano.
Lamentavelmente, a polarização em torno da figura de Lula e em razão dos riscos dos desdobramentos políticos e jurídicos, envolvendo fortes interesses econômicos, parece servir de impedimento para que se faça uma análise racional, democrática, constitucional, republicana e civilizada do caso.
Em uma tentativa de análise bastante singela da questão, sem adentrar nos meandros jurídicos do caso, que é emblemático, riquíssimo, paradigmático e poderia servir a nós, por meses, de debates acalorados e profundos, na academia, gostaria de me debruçar aqui, neste curto espaço de opinião, sobre uma pequena fatia que destaco do todo para reflexão.
Que os diálogos entre Moro e Dallagnol são indecorosos, antijurídicos, imorais e desveladores das máculas existentes no Sistema de Justiça não há dúvidas, sendo impossível negá-las, diante das fortes e incontroversas evidências. A grande questão, mágica a ser produzida a partir do que se nos apresenta, é o que fazer com tudo isso sem destruir a imagem e a importância do Ministério Público e do Judiciário, como instituições indispensáveis a um Estado Democrático de Direito e ao alcance da justiça.
Como resolver esse imbróglio ético-jurídico sem destruir instituições que são imprescindíveis e que tanto têm feito pela justiça em nosso país? Como desenrolar esse nó sem matar o sonho e a esperança de tantos que, ainda que de forma ingênua, acreditam que o combate à corrupção é possível e que desejam manter a fé nos frágeis, vulneráveis e vulnerados ídolos, carregados das contradições e das mazelas que dizem combater?
Como ensinar Direito a partir de agora, se não nos posicionarmos ou nada fizermos, por conveniência, por medo, por interesses escusos, por preguiça ou por não desejarmos ser desagradáveis com nossos amigos que pertencem as essas instituições, agora abaladas e expostas em suas fragilidades, incoerências e desvios éticos e jurídicos?
Como encarar uma aula de Ética, de Direito Constitucional, de Direito Processual, de Hermenêutica Jurídica e tantas outras disciplinas que ministramos nos mais de 1500 cursos de Direito existentes neste país, não tendo dito ou feito nada para enfrentar esse caso?
Como ponto de partida, gostaria de levantar uma questão que pode ao menos nos ajudar a respirar enquanto pensamos. As instituições são muito maiores do que seus exercentes. O Ministério Público e a Justiça Federal não podem ser abalados pelas condutas imorais, violadoras do Direito e da Constituição de Dallagnol e Moro. Elas representam nosso projeto de vivermos em um Estado onde a justiça é considerada um valor a ser preservado.
É preciso preservar nossas instituições e a democracia e há caminhos para fazê-lo sem que seja necessário jogar para debaixo do tapete a sujeira que existe em todas elas.
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