É advogado. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)

A burocracia municipal brasileira: o Estado que serve apenas ao Estado

Pesquisa recente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) demonstra que, dos 5.568 municípios brasileiros, 1.969 admitiram que se encontram inadimplentes com fornecedores, com a maioria informando que fecharia no vermelho em 2023

Vitória
Publicado em 04/01/2024 às 01h30

A relevância dos municípios no ambiente constitucional brasileiro é inquestionável. Os entes municipais são responsáveis por regular a vida do cidadão, no que diz respeito ao “interesse local” (CF, art. 30, I), estabelecendo com os Estados e com a União uma relação de harmonia e complementariedade.

O problema é que, assim como outras previsões muito bem-intencionadas de nossa Carta Magna de 1988, os municípios acabaram se tornando um dos piores exemplos da prática pública, na qual o Estado serve apenas ao Estado, e aos indivíduos que o controlam. Da burocracia que consome os escassos recursos tirados à força do trabalhador, por meio dos tributos, sem ter a capacidade de justificar sua existência a partir do retorno ao cidadão.

A afirmação não diz respeito aos municípios autossuficientes, os quais de modo equilibrado mantêm custo reduzido de operação, se comparado a sua capacidade de arrecadar e adimplir suas despesas e realizar investimentos em prol da coletividade. Ao contrário, diz respeito ao excessivo número de municípios, artificialmente criados para dar espaço a mais cargos e posições para as elites políticas locais, sem que exista viabilidade econômica para sua existência.

Pesquisa recente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) demonstra que, dos 5.568 municípios brasileiros, 1.969 admitiram que se encontram inadimplentes com fornecedores, com a maioria informando que fecharia as contas no vermelho em 2023.

A razão de tamanho descontrole nas contas públicas não está nos investimentos em saúde, educação ou saneamento, ou tampouco no desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao cidadão. Ao contrário, o gasto é para a manutenção da máquina burocrática.

Apenas para se ter um exemplo, o Estadão divulgou que entre abril de 2022 e abril de 2023, os municípios do interior paulista gastaram R$ 3,4 bilhões  para manter as 664 câmaras municipais, com a finalidade exclusiva de pagar salários e bonificações de vereadores e servidores, além de contas de consumo, combustível, viagens, limpeza, internet, e afins.

Já houve no Brasil, sem sucesso, a tentativa de corrigir tamanha distorção. Em 2012, foi apresentada Proposta de Emenda Constitucional (PEC 35/2012), para determinar que, nos municípios com população inferior a 50 mil habitantes, os vereadores deveriam trabalhar necessariamente de modo voluntário, para reduzir o estorvo que impõem ao cidadão comum, sobrecarregado de impostos.

Pilhas de papéis representam a burocracia no serviço público
Pilhas de papéis representam a burocracia no serviço público. Crédito: Arquivo

A ideia não era nova. Até a Emenda Constitucional n.º 4 de 23 de abril de 1975, o trabalho dos vereadores brasileiros não era remunerado, com exceção feita às capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes. Isso apenas se alterou no curso do regime militar. Ernesto Geisel, visando a conter o crescimento da oposição ao regime ditatorial, editou o chamado pacote de abril, estabelecendo, entre outras medidas, remuneração generalizada aos vereadores, prática que foi infelizmente admita no regime democrático que se sucedeu.

O amadurecimento político brasileiro deve levar a novo questionamento, a respeito da inteligência de se destinar essa quantidade enorme de recursos públicos para a manutenção da ineficiente máquina burocrática, especialmente em pais que sequer fornece esgoto ou agua tratada para metade de sua população, e que aparece na 64ª posição mundial no ensino da matemática, atras de Peru, Costa Rica e Colômbia.

A Gazeta integra o

Saiba mais
burocracia Prefeito Câmara de Vereadores Funcionalismo Público

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.