É advogado. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)

Dono ou tutor de cachorro? O Direito Civil tem uma resposta

Percebi um dia que por todo lado os donos de gatos, cachorro e similares tinham desaparecido. Não física, mas terminologicamente

Vitória
Publicado em 25/04/2024 às 02h00

Um dia, não sei precisar exatamente quando, acordei e percebi que por todo lado os donos de gatos, cachorro e similares tinham desaparecido. Não física, mas terminologicamente. As pessoas donas de pet, de uma hora para outra, passaram a ser chamadas de “tutores”.

Como sói ocorrer em nosso tempo, não se muda termo nenhum sem uma alta dose de ideologia. A mudança de nome carrega enorme significado, e pretende subjugar uma maioria com valores trazidos por uma pequena parte “mais consciente” da população.

Diria, em tese, respeito a uma nova forma de encarar os animais, os quais não deveriam ser tratados como “meras coisas”, mas como seres chamados sencientes, é dizer, capazes de exprimir sentimentos. O ser sentimental não poderia, supostamente, ter dono, mas apenas tutor!

Ninguém aqui dirá que animais não têm sentimentos e não teriam diferentes meios de os exprimir com clareza e inequivocamente. Tampouco se dirá que animais não merecem ser respeitados e protegidos, inclusive contra o tratamento cruel e a perversidade humana. Trata-se de um valor inquestionável na sociedade, já devidamente abarcado pelo direito penal.

A questão que se coloca é: a despeito dos sentimentos que exprimem e da necessidade de serem protegidos, animais ainda são coisas?

Não tenho dúvidas que sim. No Direito Civil, os animais são bens. Coisas materiais passíveis de apresentar valor econômico. Os chamados pets, por mais sensitivos que sejam, são passiveis de serem possuídos e apresentarem valor de mercado, podendo serem vendidos e alienados livremente por seus respectivos proprietários.

Animais têm donos. E os donos dos animais têm responsabilidades inerentes a esse direito de propriedade. O artigo 936 do Código Civil determina que o proprietário ou “dono” deve se responsabilizar pelos danos causados pelo animal a terceiros, ainda que não tenha agido com culpa no evento.

Proprietário não é tutor. A figura da tutela diz respeito a fenômeno completamente distinto, pensado a partir da necessidade de proteger seres humanos ainda não plenamente desenvolvidos, do ponto de vista intelectual, como os filhos menores diante do falecimento dos pais ou, ainda, as “crianças e os adolescentes cujos pais forem desconhecidos, falecidos ou que tiverem sido suspensos ou destituídos do poder familiar”.

Cachorro obedece truque para ganhar petisco
Cachorro obedece truque para ganhar petisco. Crédito: Shutterstock

Animais não são seres humanos e – embora devam ser protegidos – não devem receber a mesma proteção jurídica que uma pessoa. A dignidade inerente à pessoa humana representa uma plenitude incomparável de direitos, a respeito da qual seria inútil gastar mais linhas aqui.

Vivemos, ainda, em um país relativamente livre. Então, sinta-se à vontade para chamar o dono de pet do que você quiser, inclusive de “tutor de pet”, ou “tutor” de cachorro ou gato ou periquito. Isso realmente não importa. Saiba, todavia, que a terminologia que escolher não mudará a realidade: que animais são coisas e podem ser comprados e vendidos e que o regime da tutela visa a proteger, apenas, seres humanos, aos quais os animais – esperamos solenemente – nunca serão equiparados.

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