O Projeto de Lei das Fake News foi aprovado no Senado em 2020 e, desde então, tramita na Câmara dos Deputados. A proposta visa a estabelecer maior intervenção do Estado naquilo que circula pela internet. Especialmente, confere a alguns poucos indivíduos o poder de dizer o que é verdade, e o que é mentira, apenando, inclusive provedores, por divulgar a chamada “desinformação”.
A lei define “desinformação” como conteúdo “em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação”, mas logo em seguida mostra a fraqueza de sua tentativa de dar qualquer possibilidade de segurança jurídica ao conceito, abrindo perigosíssima margem subjetiva. Dentro da ideia de “desinformação” se inseriria não apenas aquilo que é falso, mas também aquilo que é verdadeiro, embora “colocado fora de contexto” (artigo 4º, II, da redação original).
Para alguns, seria importante confiar em nossos agentes públicos o imenso poder de determinar o que é verdade e o que é mentira nas redes sociais, inclusive o que seria verdadeiro “mas fora de contexto”, sancionando os indivíduos em desconformidade com o discurso oficialmente declarado como real. Fato que ocorreria com isenção, em apego à verdade, sem comprometimentos ideológicos ou políticos.
Para outros, existe grave risco de se dar um cheque em branco aos agentes públicos para tamanha regulação do pensamento humano, tendo em vista que a internet deve ser um ambiente de livre trânsito de ideias. Qualquer possibilidade de limitar o pensamento deve ser absolutamente excepcional, não apenas no papel, mas também na prática.
É normal que seja assim, que exista divergência sobre o modo pelo qual o Estado deve regular a vida das pessoas e limitar os seus direitos. Vivemos ainda em uma democracia, e o debate público, fomentado ou não por instituições públicas ou privadas, deve ser farto, intenso e livre a respeito da pertinência de tal projeto de lei, ou de qualquer outro, face ao interesse da nação.
Não parece, todavia, que alguns agentes públicos tenham a mesma visão sobre a diversidade de pensamento, e, especialmente, sobre o direito de criticar o Projeto de Lei em questão.
Na semana passada, a pedido da Câmara dos Deputados, a Polícia Federal produziu relatório no qual teria apurado que as empresas Google Brasil e Telegram Brasil seriam responsáveis, entre outras práticas, pela “manipulação de informações” com a finalidade de criticar o referido projeto de lei.
Tal ato de “desinformação” seria resumido na crítica óbvia e comum, que confere título ao texto divulgado pelas empresas, no sentido de que a “PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira”.
Uma enorme ironia. Antes mesmo de o projeto de lei ser aprovado, para sancionar quem pratica desinformação, a ideia da desinformação tem sido utilizada para incriminar quem critica o projeto, limitando a liberdade de expressão. Exatamente aquilo que os críticos temiam que ocorresse.
Alguns poderiam dizer que a restrição é legítima e que posição dos provedores em criticar o projeto, mediante artigos de opinião, devidamente impulsionados, é a prova de que o PL deve ser aprovado, para que tais opiniões subversivas não sejam mais divulgadas e que o discurso oficial do Estado sempre prevaleça.
Outros poderiam dizer que a maleabilidade do conceito de desinformação, e o deletério potencial de seu uso, contra adversários políticos, é por si só uma prova do enorme perigo que a sociedade corre, caso tal projeto seja aprovado.
É bom que ambas visões possam ser livremente manifestadas. O risco, apenas, é que uma delas – qualquer das duas – venha a ser considerada, no futuro, desinformação, a depender de quem estiver segurando a caneta do poder.
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