Talvez o texto não impressione pela erudição ou pelas palavras, mas é difícil compreender como Vinicius e Powell poderiam ter captado melhor a alma humana, do que o fizeram com o “Canto de Ossanha”:
“O homem que diz dou (não dá).
Porque quem dá mesmo (não diz)
O homem que diz vou (não vai)
Porque quando foi, Já não quis.
O homem que diz sou (não é).
Porque quem é mesmo é (não sou).
O homem que diz 'tô (não 'tá).
Porque ninguém ‘tá quando quer (...)”.
Há séculos, a sabedoria popular já identificou que tal obsessão pelo exibicionismo e autoelogio carrega, normalmente, pouca credibilidade. A verdade é normalmente mais quieta, silenciosa. O virtuoso tem a tendência de não proclamar suas virtudes tão exageradamente.
Se a lógica vale para as pessoas, vale também para as empresas, especialmente aquelas tomadas pela moda do ESG.
A sigla, que inglês representa comprometimento ambiental, social e de governança, acabou se tornando uma imensa obsessão corporativa, ocasionando – não é possível negar – muitas alterações positivas de comportamento, mas também casos obtusos de falsidade e hipocrisia.
Segundo a Pesquisa Global com Investidores de 2023, da gigante da consultoria PWC, 98% dos investidores brasileiros acreditam que relatórios de sustentabilidades das empresas contêm informações falsas. No mundo, a mesma percepção é medida em 94%, a qual, se comprovada, mostrará uma verdadeira epidemia de mentiras e falsidades corporativas.
O termo “greenwashing”, livremente traduzido como “lavando de verde”, vem sendo usado para descrever essa situação, pela qual as empresas se valem de estratégias de marketing, discursos, projetos e propagandas para configurar artificialmente uma situação de evolução no âmbito da ESG, com pouquíssimo respaldo na realidade.
Dois casos repercutiram bastante na última década. O primeiro da Volkswagen (Dieselgate), em 2015, envolvida no escândalo de adulteração dos resultados de emissões de poluentes relativamente a seus veículos com motorização a diesel. O segundo, em 2018, da Nestlè, quando se descobriu que, a despeito do rótulo de embalagem “ecologicamente correta”, a empresa estaria usando mais embalagens plásticas do que nunca.
Em geral, o “greenwashing” pode ser identificado a partir das seguintes situações:
- “Hidden trade off”: as empresas tendem a destacar um único aspecto positivo de seus produtos ou serviços, omitindo relevantes impactos ambientais negativos;
- Falta de evidências: as empresas divulgam benefícios decorrentes de suas políticas, os quais não podem ser adequadamente demonstrados ou são significativamente contestados no âmbito científico;
- Imprecisão ou ambiguidade na linguagem: práticas ou produtos são descritos como naturais ou de impacto zero ou de origem étnica, sem se esclarecer exatamente quais seriam os benefícios ambientais ou sociais produzidos;
- Certificações falsas ou sem respaldo: os produtos ou serviços são anunciados mediante a apresentação de certificações incapazes de atestar a qualidade ESG.
No Brasil, não existe uma regulação específica a respeito do tema, ao contrário do que já ocorre na Europa e nos Estados Unidos. No entanto, as práticas de simulação e desinformação podem ser combatidas tanto pelo Código de Defesa do Consumidor como pela legislação ambiental pertinente.
![sustentabilidade; ESG; meio ambiente](https://midias.agazeta.com.br/2023/12/14/sustentabilidade-esg-meio-ambiente-1951917-article.jpg)
Há inclusive precedente do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que as práticas descritas como “greenwashing” podem ser combatidas por meio das normas consumeristas, especialmente no que diz respeito ao direito à informação e à vedação à propaganda enganosa, previstas pelo artigo 6º, III, e 37 da Lei 8.078/90.
A crise da ESG parece ser mesmo uma crise de credibilidade. As empresas precisam urgentemente revisar suas práticas e comprometimentos, não apenas diante do risco de deterioração de imagem perante o mercado, mas também da possibilidade de virem a ser sancionadas pelo Judiciário em decorrência de práticas mal estabelecidas.
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