Na tarde desta segunda-feira (26), a Comissão Especial do Senado, presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, apresentou o relatório final da proposta de novo Código Civil, documento produzido com base no trabalho de vários estudiosos sobre o tema.
A criação de um novo Código Civil não deve ser de interesse, apenas, dos juristas, na medida em que visa a regular a vida do cidadão, nos seus aspectos mais amplos possíveis. O documento regula a vida civil, desde o nascimento, passando pelas obrigações e contratos, pelo casamento e família, até as repercussões decorrentes da morte (sucessão patrimonial).
Na França, a experiência revolucionária produziu o primeiro Código Civil do mundo, em 1804, como uma resposta à complexa legislação do antigo regime, normalmente interpretada em conformidade com a vontade da monarquia e dos detentores do poder. Ter um código civil significava – e ainda deveria significar – importante garantia de segurança e previsibilidade ao individuo, o qual teria seus direitos clara e meticulosamente estipulados na lei.
A França continua com o mesmo código, bicentenário, vigente, ainda que este tenha sofrido relevantes alterações ao longo de tempo, com a finalidade de se adaptar às mudanças sociais. O Brasil, por sua vez, teve o primeiro código em 1916, com vigência até o ano de 2002, ano no qual foi aprovado o chamado “novo Código Civil”.
O Código Civil atual, vigente há apenas 22 anos, é ainda novo, sob qualquer perspectiva que se possa crer. Pensado a partir da Constituição de 1988, abarcando novidades relativas à função social da propriedade e do contrato, e estabelecendo o relevante conceito de boa-fé objetiva, aplicável às relações contratuais e civis, de um modo geral.
Não obstante isso, o fervor legislativo brasileiro já o pretende substituir, por um 'novo' novo Código. A expectativa dos legisladores seria trazer novidades, adaptando a lei às mudanças sociais ocorridas em tempos mais recentes.
Um exemplo pode ser identificado na regulação dos direitos dos animais, trazida pelo art. 91-A do Projeto, a qual declara que “os animais, objetos de direito, são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial”.
Outra regulação tem repercussões para a Inteligência Artificial, na medida em que o artigo 17, §3º, proíbe o uso ou a divulgação não autorizada dos elementos de identidade da pessoa, bem como das peculiaridades capazes de identificá-la, ainda que sem se referir a seu nome, imagem ou voz”. O Código, ainda, substitui antigas previsões sobre telegramas e meios de comunicação em desuso para regular documentação produzida de modo eletrônico (art. 222 e 224).
O projeto traz, ainda, interessante previsão a respeito do condômino antissocial, permitindo a sua exclusão (art. 1.337, § 3º), assim como proíbe a utilização de unidades residenciais para a locação atípica, com base em aplicativos como o Airbnb, salvo nos casos de autorização expressa pela convenção ou assembleia condominial (art. 1336, § 1º).
Talvez um dos pontos mais polêmicos do projeto seja previsão da chamada “família não conjugal” (art. 1511-b, § 2°), permitindo o reconhecimento da natureza familiar em relação ao convívio de pessoas, duas, três, quatro ou cinco, ou mais, que “vivam sob o mesmo teto com compartilhamento de responsabilidades familiares e não apenas as de caráter patrimonial”. Trazendo daí relevantes repercussões para possível dever de pagar alimentos, direito de herança e previdência.
As previsões nos levam a duas reflexões importantes.
A primeira, e especialmente no tema dos costumes e da família, diz respeito ao fato de tais previsões, efetivamente, refletirem a visão predominante da sociedade brasileira, ou se – como muito frequentemente ocorre no Direito brasileiro – são apenas reflexo da vontade da elite jurídica que visa a impor seus valores pessoais em detrimento da maioria.
A segunda, por sua vez, diz respeito ao fato de o Código atual poder simplesmente receber atualizações pontuais, nos temas mais relevantes. Será que, efetivamente, necessitamos de um novo Código? Com toda a insegurança jurídica que um texto novo invariavelmente nos trará, até que os tribunais finalmente pacifiquem as controvérsias pertinentes? O que pode levar décadas.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.