É advogado. Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)

Selic pra mim, IPCA pra você: eis a nova mensagem de Brasília

Com uma canetada legislativa, o governo consegue embolsar algo em torno de 6% de todos os depósitos judiciais existentes no Brasil, sem chamar isso de tributo e sem aumentar formalmente a carga tributária

Vitória
Publicado em 26/09/2024 às 02h00

O Estado escolhe vários meios de retirar o dinheiro do cidadão, para bancar sua enorme estrutura e burocracia.

O mais comum desses meios é o tributo, e todo o debate vigente sobre a reforma tributária no Brasil demonstra que, o quão mais clara é a cobrança, mais legítima é a tributação.

Ocorre que nem sempre esse dinheiro é obtido formalmente, por meio de tributos, ou tampouco com transparência e proporcionalidade. Cada vez mais, tem-se buscado meios obscuros de retirar o dinheiro do cidadão e contribuinte.

Imagina-se alguém cobrado indevidamente por um tributo. O risco é tremendo. Desde a negativação de seu nome em cadastros de restrição ao crédito até o ajuizamento de execução fiscal e possível penhora de ativos financeiros ou outros bens.

A solução mais comum, nesses casos, nos quais o particular precisa demonstrar que a cobrança é indevida, é a do depósito na Justiça da quantia controvertida. Assim, a exigibilidade do tributo se suspende, e o cidadão se blinda da negativação de seu nome e do prosseguimento da execução indevida.

A quantia depositada fica à disposição do órgão judicial, e somente poderá ser devolvida ao contribuinte se esse lograr êxito de demonstrar, ao fim do processo, que tem razão e que efetivamente a cobrança do tributo era ilegal. O que pode levar alguns anos.

Uma dúvida então deve surgir: o que acontece com o valor depositado por anos na conta judicial?

Desde 1998, o valor depositado em juízo era corrigido com base no mesmo índice usado para a Fazenda Pública, para a cobrança de seus créditos, a Selic, taxa básica de juros da economia. Desse modo, o contribuinte cobrado indevidamente e obrigado a realizar depósito judicial, depois de anos debatendo o caso e tendo sido reconhecida sua razão, tinha o direito de levantar o valor do depósito judicial mediante a adequada atualização da quantia com base nesse índice.

Tudo mudou agora. Em 16 de setembro de 2024, o presidente da República sancionou a Lei 14.973, a qual retira do contribuinte o direito de isonomia frente à Fazenda Pública, para determinar basicamente o seguinte: se a União, os Estados ou municípios cobram dívidas tributárias, estas devem ser atualizadas com base na Selic, a qual atualmente representa 10,75% ao ano.

Todavia, se a dívida é cobrada ilegalmente e o particular é obrigado a dispor de seu patrimônio para efetuar um depósito judicial, ao fim, tendo razão e levantando a quantia, o valor não se submeterá ao mesmo percentual para atualização. Ao contrário, será atualizado por índice consideravelmente inferior.

Governo Lula prepara medida para banir celular nas escolas
Lula. Crédito: Fabio Rodrigues/Agência Brasil

O inciso II do artigo 37 da citada lei prevê “correção monetária por índice oficial que reflita a inflação”. No âmbito federal, essa correção deverá se dar pelo IPCA, o qual representa algo em torno de 4% ao ano.

Um peso, duas medidas!

Com uma canetada legislativa, o governo consegue embolsar algo em torno de 6% de todos os depósitos judiciais existentes no Brasil, sem chamar isso de tributo e sem aumentar formalmente a carga tributária.

Quem sofrerá, mais uma vez, será o cidadão, o qual não apenas teve de se defender por anos da cobrança indevida de tributo, como também descobrirá que sairá do processo com o seu patrimônio significativamente reduzido. Mesmo tendo toda a razão!

A Gazeta integra o

Saiba mais
Luiz Inácio Lula da Silva Reforma Tributária IPCA Selic Imposto Desoneração da Folha

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.